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“Que coragem!” É uma frase que me acostumei a escutar toda vez que posto uma foto de um look mais espalhafatoso ou quando saio de casa com um dos meus casacos coloridos em meio ao mar de roupas pretas que preenchem as ruas do inverno em Londres.
Eu nunca fui o que se consideraria uma pessoa discreta. Lembro claramente de uma roupa que comprei quando tinha lá pelos meus 13 anos: um conjunto fluorescente verde limão que, tal qual um eclipse solar, deve ter feito doer os olhos de quem me encarava diretamente.
Mas em algum momento entre essa pré-adolescência cítrica e a vida adulta, um pouco dessa coragem foi se perdendo. A confiança foi dando lugar ao medo do julgamento do outro. “O que vão pensar se eu for assim?”, “O que vão dizer se eu usar esse troço que ninguém usa?”. E foi assim, lá por aquelas bandas da puberdade, que eu fui cortando as asas do meu estilo e me conformando em ser mais igual que diferente.
Até que dez anos atrás, no alto dos meus 20 e tantos anos, eu me desafiei a passar um ano sem comprar nenhuma roupa nova. E no meio desse exercício havia muitos dias em que a combinação que surgia em frente ao espelho me dividia. Parte de mim se enchia de orgulho ao me ver no espelho e me reconectar com aquela menina verde limão. Mas, no mesmo pacote do orgulho, vinha o medo do juízo alheio.
Num dia bom, era possível trancar o medo numa gaveta e sair de casa sustentando o look, fingindo confiança ao reparar os olhares estranhos que, sim, sempre vinham. Noutros, a roupa não chegava a ver a luz do dia.
Certa feita, ainda durante aquele fatídico ano, resolvi pela primeira vez desencavar um chapéu que há tempos acumulava poeira dentro do armário. O tal chapéu havia sido comprado numa viagem, num lampejo de coragem desses que nos acomete quando estamos longe do nosso habitat natural. Ao voltar da viagem, tomada pelo receio do tabu acerca de um acessório que o brasileiro das grandes cidades pouco usa, o chapéu que eu havia amado tanto caiu no esquecimento. Até esse dia.
Saí de casa determinada a vencer o meu desconforto, mas bastou chegar ao meu destino para perceber alguém me olhando. Me senti imediatamente exposta. Pensei em tirar o chapéu, mas quando dei por mim, a pessoa já vinha em minha direção. Antes que eu pudesse cavar um buraco e me enfiar dentro dele, ouvi: “Oi, eu amei o seu chapéu. Onde você comprou?”. Sorri um sorriso encabulado e a resposta rendeu alguns minutos animados de conversa.
Dez anos se passaram e, no fim de semana passado, ao me arrumar para um casamento, me vesti e fui ajudar minha filha a se aprontar. Ela já havia escolhido seu look, a meia calça da escola, o vestido da Elsa do Frozen, um cardigã estampado com arco-íris. Nada tinha a ver com nada, mas tudo ali dizia Stella.
Controlei meu ímpeto de sugerir qualquer mudança. Stella havia escolhido para esse dia especial as roupas que lhe eram mais caras, as roupas que eram mais “Stella”.
Me emocionei ao ver a liberdade com que essa menina se veste de si e fiz uma nota mental para incentivar diariamente essa confiança em ser quem se é. Sofrer julgamentos por aquilo que vestimos é duro, porque, mais que roupa, o que escolhemos para cobrir nosso corpo, é verdadeiramente um pedaço de quem somos, um reflexo das nossas certezas e inseguranças. O julgamento sobre o que vestimos é, portanto, também um julgamento sobre nós.
Hoje não abro mão de me vestir de mim. Misturo estampas, uso chapéus, casquetes e lenços, paetês de dia e cores no inverno de Londres. E sigo recebendo olhares na rua. A diferença é que, depois daquele dia em que o meu chapéu virou assunto, hoje eu percebo os olhares e penso: talvez elas só gostariam de ter a minha coragem.
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Fonte: Uol