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“No Submundo de Moscou” começa com Konstantin Stanislavski em crise: não sabe como compor seu personagem em “Ralé”, a peça de Gorki que deve estrear em breve. Estamos em 1902 e o já célebre diretor e ator de teatro precisa buscar bases realistas para chegar a um bom resultado.
Com a ajuda de Guilyanovski, jornalista e escritor, consegue penetrar na Khitrovka, a região dominada pela bandidagem local. Guilya conhece o local e seus personagens profundamente e é o único capaz de levar um janota como Stanislavski até lá sem acabar com uma facada nas costas.
Até aqui este filme permite ao espectador desenvolver os sinais paranoicos padrão que pode suscitar um filme não autoral vindo da Mosfilm. Existiria aí algum recado ao sempre suspeito Putin? A montagem de “Ralé”, peça censurada pelo regime czarista remeteria à censura da Moscou contemporânea? A Khitrovka seria uma sociedade de ladrões e assassinos cujo sentido oculto remeteria às mortes também sempre suspeitas dos adversários de Putin?
As suspeitas arreferecem depois que eles entram na Khitrovka e um rico e duvidoso indiano é assassinado. Desde então estamos na parte do filme que adapta “O Signo dos Quatro”, de Conan Doyle, com uma sequência de mortes misteriosas, causadas por dardos envenenados —veneno não seria um modo de assassinato bem russo, desde os tempos de Stálin?.
O fato é que para Stanislavski e Guilya, os improvisados porém argutos detetives, interessa mais a investigação dos crimes. A Stanislavski interessa também a bela princesa. Ela é um tanto destoante da ralé que frequenta a Khitrovka, não só muito bonita, como estranhamente sofisticada para o local. Consta que seria uma nobre de família decaída, que acabara na marginalidade.
Desde então sabemos que, se o filme de Karen Shakhnazarov tem alguma mensagem ao regime é: o povo precisa esquecer por instantes de coisas como a guerra na Ucrânia, por exemplo. Se esse era o objetivo, o filme funciona bem. E, se nesse sentido se assemelha a quase toda a produção ocidental —a de Hollywood, de preferência— o faz à sua própria maneira, com um artesanato que deve tudo à tradição russa mesmo e um grupo de atores que não desonra a qualidade de interpretação do cinema russo.
Como mesmo um filme cujo propósito seja a diversão não escapa à clivagem ideológica, o fato de o vilão da história ser um inglês é bem significativo, sendo a Inglaterra, nos dias atuais, o mais fiel aliado dos Estados Unidos, tradicional inimigo da Rússia de Putin.
Como filme feito antes de tudo para distrair o espectador, o que consegue, convém esperar a presença farta de elementos convencionais. Mas como filme com alguma pretensão (oculta ou não), a presença do teatro não é decorativa. Por um lado, é o teatro que costura a incursão detetivesca de Stanislavski, vinculando-a à necessidade de conhecer a realidade para reproduzi-la.
É obvio que montar um espetáculo, é o que se diz, consiste em convencer as pessoas de que há verdade ali onde o que existe é representação. Vale para o teatro, vale também para governos, de Putin ou não. Para o espectador, “No Submundo de Moscou” oferece duas horas de bom escapismo.
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Fonte: Uol