[ad_1]
Os protagonistas de “A Escola da Carne” se conhecem em um obscuro bar gay em Tóquio, onde o jovem Senkichi trabalha como barman e cativa Taeko —uma estilista rica e elegante já chegando aos 40—, com a “melancolia da juventude” que “flutuava nas curvas harmoniosas de suas sobrancelhas” e “uma força grosseira e selvagem” que ela associa, não sem interesse, às classes populares.
Após um breve romance secreto e bastante conturbado, a coisa começa a degringolar de vez quando Taeko decide apresentar o jovem amante à sociedade como seu sobrinho, durante um desfile de moda de Yves Saint Laurent.
Entre uma coisa e outra, somos apresentados a um Japão do pós-guerra marcado pela tensão entre a decadência de famílias e valores tradicionais contra a modernização dos costumes.
As ocasiões e ambientes escolhidos como cenário do encontro e do desencontro são representativos da narrativa e dos motivos centrais do romance de Yukio Mishima, originalmente publicado em 1963.
Acompanhando o ponto de vista de Taeko, mas com um tom próprio, o narrador de “A Escola da Carne” não poupa críticas sardônicas à ocidentalização crescente do Japão, ao mesmo tempo que deixa transparecer a dissolução moral a que se entregam seus personagens em meio à crise mais ampla que os abrange.
O que conduz, no entanto, essa observação de viés político e social é a narrativa do desejo obsessivo de Taeko por Senkichi, que acolhe essa paixão de modo ambivalente —ora se submetendo ao conforto e à segurança representados por ela, ora esquivando-se de modo brutal rumo a outras possibilidades.
No centro do romance reside, dando cor a essa dinâmica, a potência do corpo jovem, viril e hipersexualizado de Senkichi, que se contrapõe à insipidez e vulnerabilidade associada aos homens estrangeiros, em uma composição nacionalista materializada na “carne” do título: é pelo prazer e a dor experimentados a partir do corpo do amante que Taeko aprende, de fato, o quanto está imiscuída na mecânica de trocas, favores e aparências na qual circula.
Apesar de esse artifício empregado por Mishima suscitar um interesse particular na leitura da narrativa, ele não é, no entanto, suficiente para manter a atenção dos leitores.
Estes logo se enfastiam da enumeração de modelos de roupas, marcas estrangeiras, trejeitos esnobes e hábitos e detalhes que buscam situar a narrativa no tempo e no espaço, mas acabam por truncar a leitura e transformar o romance em uma análise de viés sociológico. O resultado é que nem mesmo o arrebatamento de Taeko convence, o que compromete toda a narrativa.
Do mesmo modo, a amizade da protagonista com outras duas mulheres —assim como ela, divorciadas e chiques—, com as quais se reúne para compartilhar as últimas aventuras eróticas, se revela como um recurso excessivamente óbvio.
Os encontros entre o grupo, que se pretendem pontos de ancoragem na trama, acabam se tornando apenas ocasiões para o narrador revelar os hábitos de tipos específicos e para o leitor se irritar com personagens detestáveis.
Autor de obras importantes como “O Pavilhão Dourado” e “Confissões de uma Máscara”, Mishima aparece nesse romance menor como uma versão apagada de si mesmo, já marcada pelo nacionalismo extremo que o levaria ao suicídio após se envolver com uma tentativa fracassada de provocar um golpe de Estado, em 1970.
Nesse contexto, temas que poderiam ser levados às páginas de modo sedutor —o desejo feminino, a liberdade das mulheres divorciadas, a homossexualidade e a prostituição como caminho para a emancipação financeira— se revelam apenas ferramentas mal utilizadas para emoldurar um discurso político radical sobretudo em seu potencial de nos entediar.
[ad_2]
Fonte: Uol