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Em que pesem as perdas severas em diversas regiões agrícolas do Rio Grande do Sul – com imagens de fazendas arrasadas e destruição de plantações, máquinas e criações –, a safra gaúcha 2023/24, em termos de volume e estatística, ainda deve figurar entre as melhores colheitas dos últimos anos.
O estado ocupa a 6.ª posição no ranking nacional do Valor Bruto da Produção (VBP) agrícola, com receitas de R$ 87,7 bilhões.
Os gaúchos vinham de duas temporadas de quebras de safra seguidas devido a uma situação oposta, de falta de chuvas, e esperavam bater recorde no ciclo atual, tomando do Paraná a segunda posição na produção de grãos do país, ficando atrás apenas do Mato Grosso.
Tudo ia bem até o desastre das inundações. Agora, é certo que o recorde previsto de 35 milhões de toneladas não virá. Contudo, a colheita ainda ficará bem acima dos 24,2 milhões de toneladas do ciclo anterior, castigado pela seca.
“Quando se compara às estiagens anteriores, o Rio Grande do Sul vai colher uma boa safra, apesar de todo o ocorrido. Deverá ficar entre as safras de topo”, assegura Claudinei Baldissera, diretor-técnico da Emater-RS.
A magnitude das perdas, contudo, ainda é incerta. Estima-se que a soja, principal cultura de verão, deverá ter perdas entre 2 milhões e 5 milhões de toneladas, dos 22 milhões previstos, a depender do que ainda poderá se extrair dos campos encharcados.
Calendário da chuva evitou catástrofe maior no agro gaúcho
Enquanto a água não baixar, a Emater vê a situação como uma crise em desenvolvimento, que exige prudência na quantificação do prejuízo. “Gerar informação agora vai implicar em tomadas de decisão envolvendo políticas públicas e estratégias de trabalho, é preciso todo cuidado possível”, afirma Baldissera.
No quadro geral, serve de consolo à agricultura gaúcha e brasileira saber que o setor escapou de algo potencialmente ainda mais devastador.
“O fenômeno ocorreu na transição de um calendário para outro, da safra de verão para a de inverno. Infelizmente, isso aconteceu, mas foi na melhor posição. Tivesse sido um mês antes, seria catastrófico para a safra de verão. Um mês ou dois depois, e seria catastrófico para a safra de inverno que já estaria em curso. Então, aconteceu numa linha temporal em que é possível reorganizar o setor e seguir os calendários”, avalia Baldissera.
A retomada exigirá mais do que crédito, mão de obra e maquinários. “Existe um outro custo imensurável, que é o estado emocional das pessoas que fazem a agricultura”, sublinha Baldissera. “Na estratégia de reconstruir, antes de olhar para o sistema de produção e para a infraestrutura, precisamos reconstruir o estado emocional das pessoas, para que elas acreditem na continuidade da atividade agrícola”, afirma.
Número de pequenas propriedades dificulta levantamento
No Rio Grande do sul predominam as pequenas propriedades – cerca de 80% dos estabelecimentos têm até 50 hectares, segundo o IBGE. Essa pulverização exige mais tempo para se avaliar o tamanho dos estragos. Nem Emater, nem a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) se arriscam a divulgar números.
“Não dá para dizer ainda o percentual de produtores atingidos. As regiões atingidas são muito dominadas por pequenos produtores. Afetou muita gente, as pessoas perderam suas casas, perderam o próprio solo. Não sabemos nem como recuperar isso”, diz Gedeão Pereira, presidente da Farsul.
Normalmente, o Rio Grande do Sul é o estado que colhe soja por último no calendário. A metade norte já havia concluído a colheita, mas a metade sul ainda tinha muito grão a ser colhido. “De um milhão de hectares, estimamos que metade disso ainda dá para ser colhido, apesar da perda de qualidade”, avalia Pereira.
Cada dia em que os grãos permanecem no campo com elevada umidade, seja a soja ou milho, os danos à produção evoluem. “Há quem fale em perda de 2 milhões de toneladas, há quem fale em 5 milhões”, diz Pereira.
Veja a seguir um resumo do impacto das enchentes sobre as principais cadeias produtivas do agronegócio gaúcho.
Parte da soja será abandonada no campo
Dos 6,68 milhões de hectares semeados com soja, cerca de 1 milhão ainda estava para colher quando irromperam as inundações. A umidade provoca a abertura de vagens, a germinação dos grãos e a proliferação de fungos. Quanto mais rápidas a colheita e a secagem, maior a chance de ainda se obter algum aproveitamento.
A Emater estima que, dos 15% de lavouras restantes para colher, boa parte deverá ser abandonada devido à inviabilidade econômica. Ou seja, a colheita não cobre os custos da operação, o frete e os descontos aplicados pelos cerealistas devido à perda de qualidade.
Alguns municípios concentram os prejuízos, como na região de Bagé, em que apenas 31% dos 120 mil hectares haviam sido colhidos até o levantamento mais recente dos extensionistas, divulgado em 16 de maio. No entorno de Pelotas, também há muita soja ainda no campo – 48% do total.
Milho tem cultivo espalhado pelo estado e sofreu menos
Dos 812 mil hectares cultivados com milho no Rio Grande do Sul, 88% já foram colhidos. A colheita tem avançado lentamente porque os produtores dão preferência à soja, menos resiliente às altas umidades.
No cômputo geral, os danos à cultura devem ser menores porque, diferente da soja, o milho não tinha áreas de concentração nas chamadas terras baixas, e sua distribuição é pulverizada por todo o estado.
Pecuária: preocupação com logística e falta de alimento
As perdas na pecuária têm se revelado menores, quando comparadas às da agricultura, segundo levantamento contínuo da Confederação Nacional dos Municípios.
Duas semanas depois das enchentes, a CNM contabilizava R$ 226 milhões de prejuízo na criação de gado, aves e suínos, contra R$ 2,3 bilhões da agricultura. Os rebanhos bovinos têm sofrido estresse devido à escassez de alimento, havendo relatos de pneumonia na região de Porto Alegre. Nesse momento, “é impossível fazer estimativa da mortalidade das criações com a passagem da água”, segundo Baldissera, da Emater.
Pastagens de inverno: água arrastou sementes
As chuvas torrenciais provocaram erosão do solo e arraste de sementes de forrageiras. Faltam sementes de pastagens de inverno no mercado para replantio. O solo encharcado reduziu o crescimento dos campos nativos, diminuindo a oferta de alimentos. Nas pastagens cultivadas, o excesso de umidade limita o pastoreio e provoca superlotação de animais em áreas altas.
A solidariedade de pecuaristas de regiões não afetadas e de outros estados tem assegurado o abastecimento de ração e forragem aos rebanhos. A maior dificuldade tem sido a logística – tanto para fazer chegar aos plantéis os alimentos e insumos, como para escoar a produção de leite e retirar os animais prontos para o abate, no caso de suínos e aves.
No arroz, teme-se pelo efeito da intervenção do governo
A área colhida de arroz alcançou 86% e a estimativa é de que a produção se aproxime da alcançada no ano passado, com 7,1 milhões de toneladas, ante 7,4 milhões. O setor produtivo tem lamentado a decisão do governo federal de importar um milhão de toneladas, o que pode criar uma pressão negativa nas cotações, desencorajando os rizicultores a permanecer na atividade para o próximo ciclo.
Aumento inevitável do preço das hortaliças
Havia muita concentração de produtores de hortaliças nas regiões dos vales do Caí e do Taquari, por onde a água desceu com mais força e destruição. Os danos foram severos, com perda total de estufas e estruturas de irrigação, além de carregamento do solo.
Devido à dinâmica do mercado, outras regiões gaúchas e do país devem abastecer parte da demanda estadual nas próximas semanas. “Não vai faltar produto, mas já se percebe o aumento no preço ao consumidor nas prateleiras”, aponta Baldissera.
Danos aos cítricos, às vinícolas e ao turismo da Serra Gaúcha
Na fruticultura, os prejuízos maiores à produção, segundo a Emater, estão nos cítricos (laranja e bergamota) dos vales do Caí e do Taquari.
As perdas também são grandes nos parreirais da região vinícola, na Serra Gaúcha, com danos a cerca de 500 hectares cultivados, segundo a Farsul.
Como o setor vinícola tem forte ligação com a indústria turística, a preocupação em Bento Gonçalves, por exemplo, é esclarecer aos turistas que grande parte dos danos se concentrou no meio rural, e que as principais atrações da cidade estão preservadas.
Água destruiu “poupança” de anos da fertilidade do solo
As enxurradas provocaram erosão, carregamento da superfície arável para os rios e lixiviação (infiltração dos nutrientes para as camadas mais profundas do solo).
“A água que escorreu sobre o solo carregou um histórico de trato agronômico de décadas, e que, dependendo da severidade, levará anos para recuperação. É uma poupança, uma reserva de solo fértil que foi levada das propriedades, um valor incomensurável”, lamenta Baldissera, da Emater.
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Fonte: Notícias ao Minuto