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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, provocou reações da esquerda e de apoiadores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após recomendar, em sua conta na rede social X, a leitura de um artigo do economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV).
No texto, publicado no Observatório de Política Fiscal da FGV, Borges trata da recente trajetória das contas públicas, demonstrando as dificuldades do ajuste fiscal, especialmente após a revisão da meta para 2025, e propõe soluções para fechar o rombo das contas públicas e estabilizar a dívida.
“Essa mudança relevante e prematura das metas fiscais denota um certo esgarçamento da estratégia de consolidação fiscal colocada em prática pelo atual governo”, escreve o autor. O pano de fundo da análise é a sustentabilidade entre receitas e despesas da União para a estabilização da dívida pública, que já está em nível “bastante desonfortável”, segundo ele.
O texto chama atenção por demonstrar as fragilidades e inconsistências do novo arcabouço fiscal (NAF) proposto pelo próprio Haddad, especialmente em temas tabu para o governo, como a vinculação dos benefícios previdenciários à política de valorização real do salário mínimo e os mínimos constitucionais de saúde e educação, atrelados às receitas do governo.
Baseado no aumento da arrecadação, o arcabouço fiscal busca limitar o aumento real das despesas da União entre 0,6% e 2,5% ao ano. Mas, em 2024, só o aumento real do piso salarial foi de 3%. E cada real adicionado ao mínimo custa R$ 391,8 milhões extras ao Orçamento federal. É uma conta que não fecha.
“Do lado do gasto com o RGPS [Regime Geral de Previdência Social], um elemento crucial para conter sua expansão seria a desvinculação do piso previdenciário (e mesmo de outros benefícios assistenciais, como o BPC) do salário mínimo nacional”, escreve Borges. “As aposentadorias e pensões deveriam ser reajustadas apenas pela inflação, mantendo o poder de compra ao longo do tempo.”
Sobre os mínimos constitucionais de saúde e educação, o autor defende uma vinculação a pisos reais de gasto per capita conforme o público-alvo. No caso da saúde, a população total, e na educação, os gastos por aluno. Esses percentuais poderiam ser crescentes ao longo do tempo, diz.
Artigo sobre contas públicas e postagem de Haddad foram mal recebidos pela esquerda
Pressionado pelas dificuldades em fazer o ajuste fiscal, Haddad não explicou por que recomendou o artigo. Mas deu visibilidade ao remédio proposto por Borges. Desde então, o artigo é tema de debates em círculos econômicos e políticos.
Poucos dias após a postagem do ministro, foi a vez de a ministra do Planejamento, Simone Tebet, defender a desvinculação das aposentadorias, pensões e outros benefícios do piso salarial. Houve reação imediata da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que afirmou que a ideia contraria “o programa do governo eleito”, historicamente defensor do aumento de gastos sociais.
O assunto e, em particular, a recomendação de Haddad repercutiram também nos sites esquerdistas. O Brasil 247 sugeriu que o ministro caiu “no canto da sereia” e está empolgado em agradar o “povo da Faria Lima”, jargão usado pelo governo para o mercado financeiro. “Será que seria especular demais que Haddad busca ser a tal terceira via, mesmo inserido em um governo com programa voltado ao social, como o de Lula?”, questionou a publicação.
Luis Nassif, colunista econômico, alertou em seu blog no site CGN para os “perigos” da ideia da desvinculação, denunciando que “com o artigo de Bráulio desfaz-se o mistério sobre o modelo fiscal pretendido pelo governo”. E disparou: “Se o governo Lula não apresentar o contraponto de um plano concreto de desenvolvimento, fundado no setor produtivo, na organização das pequenas e médias empresas e no apoio às grandes, o próximo 1.º de maio será realizado em alguma academia de dança de salão”.
Nesta quinta-feira (9), após dias de silêncio, Haddad disse não conhecer a proposta de Tebet e afirmou não ver “muito espaço” para a discussão no governo.
Principal gasto a ser atacado é a Previdência, diz economista
Borges fundamenta as suas preocupações, demostrando que a principal rubrica a ser “atacada” para restaurar o equilíbrio fiscal brasileiro é a Previdência.
Segundo ele, pouco mais de 75% do aumento da despesa primária total da União entre 1986-88 e 2016 se deveu ao aumento do gasto com o RGPS, responsável pelas aposentadorias do setor privado e parte do setor público.
“Excluindo o RGPS, a despesa da União está hoje (2024) em pouco menos de 11% do PIB, cerca de 1 p.p. acima dos 10% de 1986-88. Quando se exclui, além do RGPS, os gastos com o programa Bolsa Família (criado no começo dos anos 2000 e ampliado nos anos subsequentes), a despesa primária da União está hoje em 9,5% do PIB, abaixo dos 10% de 1986-88 e ao nível semelhante ao observado em 2005-07”, diz o economista.
Nesta conta entram despesas com pessoal, de custeio, de investimentos, emendas parlamentares, subsídios explícitos, seguro-desemprego, Benefício de Prestação Continuada (BPC, pago a pessoas idosas ou com deficiência) e outras.
Autor prega ajuste das contas públicas pela receita e pela despesa
O autor rompe com a análise polarizada de defesa de ajustes fiscais. O teto de gastos, implantado no governo Temer, focava o ajuste na contenção das despesas. O NAF, por sua vez, mira apenas a arrecadação. Borges vê necessidade de conciliar as duas pontas da questão. Ele incluiu na solução um aumento de carga tributária – o único foco do governo até agora.
“Convém lembrar que a literatura empírica de consolidações fiscais aponta que, em média, ajustes bem-sucedidos são compostos de parcelas relativamente iguais de redução de gastos e aumento de carga em % do PIB”, diz Borges.
A busca por algum aumento de carga, para ele, parece adequada por outras razões. “Uma delas é que parte da deterioração fiscal estrutural brasileira observada na década passada adveio de uma redução da carga bruta federal, da ordem de 1,9 p.p. do PIB entre 2008 e 2019, revertendo quase 40% do aumento colocado em prática em 1999-2004”, justifica.
“Esse processo de redução da carga iniciou em dezembro de 2007, quando o Congresso, em contraposição à vontade do Executivo, não prorrogou a vigência da CPMF até 2011, tributo que arrecadava cerca de 1,3% do PIB por ano desde 2000”, diz.
Além disso, o economista recorda o populismo fiscal dos anos finais do governo de Dilma Rousseff (PT), na esteira dos movimentos populares de junho de 2013, como a expressiva ampliação do Simples Nacional, com renúncias fiscais associadas ao programa. Salienta que, mais tarde, o governo não compensou, na alíquota de PIS/Cofins, a perda de arrecadação gerada pela exclusão do ICMS da base de cálculo desses tributos federais, na chamada “tese do século”, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O estancamento desse processo de queda da carga só se deu nos anos mais recentes, a partir de 2021. Neste ínterim, outro fator preponderante contribuiu para justificar, na avaliação do autor, o aumento da carga tributária: a criação de uma nova despesa permanente, associada à expansão do Bolsa Família, que passou de um gasto de cerca de 0,4% do PIB até 2019 para cerca de 1,5% de 2023 em diante.
Por isso, em paralelo com as medidas de ajuste do arcabouço, o autor defende elevar de forma estrutural também as receitas previdenciárias, partindo dos atuais 5,5% do PIB. E propõe uma desoneração horizontal da folha de pagamentos – e não focada em alguns setores, como é hoje – para reduzir a informalidade e a chamada “pejotização”.
“[Isso] envolve, dentre outras coisas, reduzir os subsídios (renúncias de receitas) associados ao MEI e ao Simples Nacional (muitos deles gerando iniquidade horizontal, além de serem atuarialmente muito deficitários em termos per capita, sobretudo o MEI), bem como promover uma desoneração horizontal da folha de pagamentos que reduza a taxa de informalidade do mercado de trabalho brasileiro e a ‘pejotização’,” escreve.
No momento, porém, o que Haddad buscou foi um acordo com o Congresso para reonerar a folha dos setores que eram contemplados pela desoneração. O combinado na noite de quinta-feira (9) foi manter a desoneração de 17 setores neste ano, com reoneração gradual de 2025 em diante.
Imposto Seletivo pode ajudar, diz economista
Ainda do lado das receitas, o economista argumenta que o futuro Imposto Seletivo (IS) será relevante para o equilíbrio das contas. Previsto na reforma tributária e pendente de regulamentação pelo Congresso, o chamado “imposto do pecado” incidiria sobre hidrocarbonetos (petróleo e gás), bebidas alcoólicas, cigarros, dentre outros produtos considerados nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
“Um IS bem calibrado, além de gerar receitas fiscais relevantes, também pode aumentar o bem-estar da sociedade e reduzir os gastos públicos e privados com saúde. Em particular, um estudo recente do Banco Mundial apontou que o aumento de arrecadação associado à introdução gradativa de um carbon tax (um tipo de IS) é expressivo, de mais de 1% do PIB, e relativamente persistente”, diz.
Para Borges, parte dessas receitas poderia contribuir para “financiar” uma redução da alíquota padrão de IBS-CBS no novo sistema tributário. Outra parte poderia ajudar a financiar a transição energética e uma terceira parcela contribuiria para melhorar o resultado primário do governo.
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Fonte: Notícias ao Minuto