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Na maior instituição de pesquisas do país, que reúne quase 2,5 mil doutores e pós-doutores e completa 51 anos nesta semana, um dos principais critérios de seleção para cargos de chefia já não está mais relacionado à qualificação técnica ou experiência em gestão, mas à militância sindical, ao apadrinhamento político e à identificação declarada com ideologias de esquerda.
O aparelhamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) segue um comando feito pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em fevereiro de 2023, quando declarou que era “preciso retirar membros do governo anterior escondidos às pencas na administração”.
A substituição de chefias não é novidade na troca de governos, mas na atual gestão petista ocorre com um forte componente ideológico, sem a observação de rituais administrativos e respeito aos mandatos obtidos em concursos internos. Nesta quinta-feira (24) de manhã, na solenidade de aniversário da sede da Embrapa em Brasília, o presidente Lula poderá verificar in loco que a instituição de pesquisa está em franco processo de aparelhamento e transferência de comando para os “companheiros” sindicalistas.
Desde a fala de Lula pregando um expurgo no serviço público, cinco chefes regionais da Embrapa já foram substituídos antes de concluírem seus mandatos e outros estariam com a cabeça a prêmio. Vários deles afirmam que não eram bolsonaristas nem tampouco lulistas, e suspeitam que foram trocados apenas por serem “apolíticos demais para a visão que está entrando agora”. A varredura pode ser ampliada, já que dez chefes de unidades regionais estão, no momento, em processo de análise para recondução.
Cúpula da Embrapa indicada por sindicatos
Saiu a meritocracia, entrou o aparelhamento. Esse diagnóstico é praticamente consenso entre pesquisadores e ex-chefes de unidades da Embrapa ouvidos pela Gazeta do Povo em entrevistas exclusivas, na condição de não terem os nomes divulgados, por temor de represálias.
A precaução não é sem motivo. “As pessoas têm medo de perder o emprego e seus benefícios. E de ter a vida destruída por perseguições”, diz um pesquisador. “Quem participou da última gestão é visto quase como leproso”, afirma outro cientista.
Uma das razões do sucesso histórico da Embrapa na revolução da agricultura tropical, reconhecido internacionalmente, teria sido justamente sua “blindagem” contra interferências políticas, com primazia total à meritocracia. Essa cultura organizacional estaria agora sendo lançada por terra.
“O aparelhamento, que começou em Brasília, com a escolha de quatro diretores indicados ou pelo sindicato ou pela CUT, horroriza todos nós que amamos a empresa. E depois passaram a fazer isso também nos centros de pesquisa, ao arrepio das normas internas. Eles simplesmente atropelaram. E vão continuar tratorando todos aqueles que não tenham alinhamento político ideológico com eles. É uma situação triste, inclusive de perseguição, algo que nunca tinha visto na minha vida”, aponta outro cientista.
Exonerações feitas ao arrepio das normas internas
Os chefes de 43 unidades da Embrapa espalhadas pelo país são escolhidos em processo de concurso interno para mandatos de seis anos, divididos em três seções de dois anos. A cada biênio, são avaliados e, com raras exceções – irregularidades ou desvios graves –, acabam sendo reconduzidos. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, nenhum gestor aprovado em processo seletivo deixou de ser reconduzido.
Desde o início do novo governo
petista, porém, os rígidos critérios do concurso interno já não têm o mesmo peso. A diretoria de Brasília exonerou
chefias regionais que tinham cumprido apenas dois anos iniciais de mandato,
caso das unidades da Embrapa Florestas (Colombo-PR), Tabuleiros Costeiros (Aracaju-SE)
e Solos (Rio de Janeiro-RJ).
Na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF), a coordenadora ainda teria dois anos no cargo, mas pediu para sair por não receber apoio numa sindicância que apura fraude envolvendo adicional de insalubridade para 32 servidores. Na Embrapa Clima Temperado, o chefe da unidade já havia sido reconduzido para o último terço do mandato, mas foi exonerado após pressão do sindicato local e de políticos do PT.
“Vão substituir todos os chefes por gente alinhada”
Outras duas unidades da Embrapa, a de Milho e Sorgo (Sete Lagoas-MG) e Meio Norte (Teresina-PI), também estariam na mira. Teriam sido poupadas momentaneamente devido à repercussão negativa no meio político e o descontentamento dos servidores públicos. A ofensiva, contudo, logo deverá ser retomada, segundo fontes ouvidas pela Gazeta, porque o novo Conselho de Administração (Consad) encurtou o mandato dos chefes-gerais de seis para quatro anos.
“Eles vão usar essa manobra para substituir todos os chefes por colegas não alinhados à direita ou, principalmente, por colegas alinhados à esquerda, com forte indicação do sindicato. A presidente da Embrapa, que não é alinhada a nenhum partido, é alheia a tudo isso, acata as opiniões dos diretores e surfa em viagens internacionais e reuniões com ministros e representantes do governo e de instituições privadas”, diz um ex-chefe.
Em outubro do ano passado, o Sindicato dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), seção de Pelotas (RS), onde se encontra a Embrapa Clima Temperado, fez um manifesto pedindo uma depuração na empresa. Sem rodeios, o sindicato pregava a destituição do chefe da unidade, o pesquisador Roberto Pedroso de Oliveira, e de outros pelo país afora.
“Afinal de contas, depois de elegermos o presidente Lula, derrotarmos a extrema direita, promovermos mudanças na Embrapa, com a indicação da 1ª mulher para presidir a empresa após 50 anos e escolha de diretores executivos, o que se espera é que as mudanças nas unidades também sejam promovidas, extirpando as células do governo anterior, representadas pelas chefias atuais das unidades”, dizia a nota.
“Turma do sindicato” assumiu na Embrapa de Pelotas
Pouco mais de um mês depois da manifestação sindical, Pedroso e seus chefes adjuntos foram exonerados dos cargos, sem um processo formal de avaliação de desempenho. Foi nomeado para chefia-geral, de forma interina, Waldyr Stumpf Júnior, que escolheu vários sindicalistas para cargos comissionados – como Julio Amado Peres Bicca (ex-vice-presidente nacional do Sinpaf), Mauro Santos Nolasco (ex-diretor regional sul do Sinpaf), Diego Pereira Vargas (ex-presidente do Sinpaf Pelotas), Leonardo Ferreira Dutra (ex-membro da diretoria do Sinpaf) e Angelo da Silva Lopes (também ex-integrante da diretoria do Sinpaf).
Ao fim de 2023, os sindicalistas teriam trocado cargos não remunerados nos sindicatos por funções comissionadas na Embrapa Clima Temperado, com adicional no salário de R$ 4.615,17 (cargo de supervisor II) até R$ 12.011,48, cargo de chefe adjunto).
Os deputados federais do partido Novo Adriana Ventura (SP), Gilson Marques (SC) e Marcel Van Hattem (RS) enviaram requerimento ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, requerendo informações sobre a dispensa, mas não obtiveram resposta.
A substituição das chefias tem seguido quase sempre um mesmo roteiro: sindicalistas e políticos de esquerda emplacam seus nomes preferidos, sem oposição da direção geral da empresa, ela mesma tomada por pessoas com perfil sindical e de militância.
No caso da Embrapa Clima Temperado, assistentes de pesquisa que “poderiam facilmente ser terceirizados e manipulados pelo sindicato”, segundo uma fonte, acabaram assumindo posições de comando em substituição a pesquisadores.
O ambiente na Embrapa hoje seria parecido com o de 2003, no primeiro mandato do presidente Lula, mas piorado, dizem os pesquisadores. Lá atrás houve tentativa semelhante de aparelhamento da empresa, que esbarrou na falta de quadros. “Os caras eram muito ruins e eles tiveram que fazer algumas concessões e colocaram algumas pessoas com perfil mais técnico”, recorda um pesquisador.
Embrapa estaria dividida em três grupos
Nesta nova fase, com a empresa mais exposta à pressão ideológica, estariam assumindo postos de comando servidores improdutivos, “que vivem da palavra e não da pesquisa a campo em laboratório ou casa de vegetação”.
A Embrapa estaria dividida, hoje, em três grupos: o dos dedicados, o dos desocupados e o dos gananciosos.
“Temos pesquisadores que, ao em vez das 40 horas semanais, trabalham mais de 60 sem ganhar nenhum centavo de hora extra porque estão envolvidos com seus temas de pesquisa. Esse grupo é grande, sustenta a empresa e faz a diferença. Mas temos uma grande massa de pesquisadores que parecem andarilhos dentro das unidades, sem fazer nada, e outro grupo que só quer o poder”, afirma o pesquisador.
“E agora temos essa politização. Para ocupar cargos, o principal critério é a indicação de alguém da esquerda. Eles só discutem as mesmas coisas e tentam implantar os mesmos princípios. A Embrapa é uma empresa técnica, e não uma empresa política”, desabafa.
Diretores nomeados por sindicatos e “pistolões”
A alta cúpula da Embrapa é composta de quatro diretorias, abaixo da presidência. Segundo pesquisadores ouvidos pela Gazeta, todos os diretores foram nomeados como resultado de articulação sindical e política, sem envolver a presidente Sílvia Maria Fonseca Massruha, que tem formação em Tecnologia da Informação e pouca vivência de pesquisa agronômica em campo.
Na diretoria-executiva de Negócios
está Ana Castro Euler, uma pesquisadora do Norte do país com passagem pela ONG WWF
que seria amiga da ministra Marina da Silva; na diretoria-executiva de Pessoas,
Serviços e Finanças, Selma Lucia Lira Beltrão, uma jornalista petista, ex-presidente
do sindicato; na diretoria-executiva de Pesquisa e Inovação, Clenio Nailto
Pillon, afilhado de políticos petistas gaúchos que teria orquestrado a
derrubada do chefe da Embrapa que o sucedeu em Pelotas; e na diretoria-executiva
de Governança e Gestão, Alderi Emidio de Araújo, cuja melhor credencial seria a
amizade com o presidente Lula.
Os pesquisadores apontam que antes desta nova administração “aparelhada”, as várias vertentes de pesquisas e parcerias da Embrapa coexistiam, sem oposição artificial entre o público da agricultura comercial, do agronegócio e das grandes empresas, de um lado, e o da agricultura familiar, agroecológica e dos movimentos sociais, do outro. Agora, contudo, virou tabu falar de agronegócio ou de parceria com grandes empresas ou produtores.
Tabus e inveja do agronegócio
“Acho que é uma visão equivocada, porque a agricultura brasileira é feita de pequenos, médios e grandes produtores. E a Embrapa tem que trabalhar para todas as agriculturas. Cerca de 20% dos produtores são pequenos e médios e respondem por 80% da produção. Os pequenos respondem pelos outros 20%. Isso já joga por água abaixo aquela ideia de que é a agricultura familiar que alimenta a população brasileira”, destaca uma fonte.
Outro pesquisador, de outra unidade e região do país, corrobora o diagnóstico. “Lamentavelmente, essas pessoas são totalmente contrárias ao agro. Há uma inveja muito grande motivada por ideologia. Eles são contra a propriedade privada que faz sucesso, que é autossuficiente, que em termos de sustentabilidade ambiental é até mais efetiva do que o agricultor familiar, que não tem muitas vezes conhecimento e nem recurso para garantir a sustentabilidade ambiental da sua propriedade”, diz.
Essa postura antitecnológica não encontraria respaldo sequer entre os pequenos agricultores, a quem a gestão sindicalista supostamente pretende agradar. “Essas pessoas querem produzir como produziam nossos avós. Elas se opõem aos próprios agricultores familiares que estão interessados em produzir, em viver dessa produção e crescer, se tornando mais tecnificados, mais qualificados dia a dia.”
Falar em parceria com grandes empresas virou sacrilégio
Não há, expressamente, ordem para não desenvolver projetos com grandes parceiros. Mas o recado que estaria sendo dado o tempo todo é o de prioridade aos pequenos agricultores familiares, aos assentamentos, aos quilombolas e comunidades indígenas.
“O pequeno agricultor, o agricultor familiar, sempre foi contemplado dentro da Embrapa. Mas se você não for preto, não for gay, não for índio, você não é bem contemplado. Eles estão dando visibilidade para esse nicho, que é relevante. Mas, são eles que vão sustentar a agricultura do Brasil?”, questiona outro cientista.
Outro pesquisador observa que “é quase um sacrilégio falar que você está trabalhando com grandes grupos do setor privado, nacionais e internacionais”.
Esse afastamento deliberado do setor privado terá consequências, que não necessariamente serão sentidas em curto prazo. Vários projetos em andamento deverão continuar a dar resultados e trazer royalties. Mais adiante, contudo, a casa estará desarrumada. E um governo menos aparelhado terá trabalho para reativar a cultura de meritocracia e atrair de volta parceiros privados.
Dentre as políticas prioritárias da atual administração, está a chamada “socialização da genética”, para qual foi criado um grupo de trabalho. Tal política poderá criar problemas para parcerias como a feita com a Basf, desde 2010, para desenvolvimento de uma cultivar de arroz propícia para plantio em sequeiro no Centro-Oeste. A parceria público-privada possibilitou financiar as pesquisas a campo e, como resultado, vai injetar recursos no caixa do governo ao mesmo tempo em que resolve desafios tecnológicos para produção de arroz não irrigado.
“Quanto custa chegar a uma cultivar dessas? Quanto custam os materiais de insumo, os salários dos pesquisadores? Daí a Embrapa vai pegar e distribuir para todo mundo de graça? Eles [parceiros] não vão poder vender as sementes?”, questiona um pesquisador.
Novas formas de financiar a Embrapa foram engavetadas
O projeto que possibilitaria à Embrapa
se tornar sócia de empreendimentos que se beneficiam de suas pesquisas, por
meio de fundação de apoio, foi engavetado.
A criação do Núcleo de Inovação Tecnológica Externa (NIT) atendia às diretrizes do marco legal de Ciência e Tecnologia e Inovação, aprovado em 2016, no governo de Michel Temer (MDB). “Isso está na lei. Era o passaporte para a independência financeira da Embrapa, que não ficaria mais a mercê dessas vontades, desses desejos, elucubrações políticas e ideológicas que a gente tem no Brasil. E eles voltaram agora à estaca zero”, lamenta um cientista.
A contaminação ideológica do ambiente teria chegado ao ponto de se discutir em alto nível a mudança do nome da Secretaria de Inovação e Negócios, porque o termo “negócio” não seria mais adequado ao papel da Embrapa, na visão de seus atuais administradores.
O novo modelo de administração sindicalista enterra a conquista de 2019, quando a Embrapa foi reconhecida como exemplo de gestão pela Academia de Administração Pública Americana (Napa).
À época, a Napa afirmou que a ARS, agência de pesquisas internas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), poderia se beneficiar com o exemplo da Embrapa, na captação de recursos em parcerias público-privadas e nas diferentes formas de orçamento da empresa que separam custeios de projetos, manutenção operacional, investimento e pessoal.
Diretoria da Embrapa nega aparelhamento ou favorecimentos
A Gazeta do Povo entrou em contato com a direção da Embrapa, em Brasília, que enviou uma nota, rebatendo as acusações de aparelhamento “uma vez que todos os candidatos são servidores de carreira da empresa”. Segue, abaixo, a nota na íntegra.
“Em resposta aos questionamentos do jornal Gazeta do Povo sobre o processo de recondução ou substituição dos chefes-gerais das 43 Unidades Descentralizadas da Embrapa, informamos:
1 – De acordo com as normas atualmente vigentes, o prazo de gestão de um chefe-geral de Unidade é de dois anos podendo ser prorrogados por até duas vezes de igual período. A cada dois anos, os gestores ocupantes do cargo de chefes de Unidade são avaliados, conforme rege a Lei das Estatais (Lei 13.303 de 2016) que dispõe de mecanismos que garantem o estabelecimento de gestões probas e capacitadas, no âmbito das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias.
2 – Considerando os prazos de gestão estabelecidos pela norma, atualmente, dos chefes de 25 Unidades da Embrapa que estão sendo avaliados, até o momento 12 foram reconduzidos e somente quatro substituídos por chefes interinos designados. Dez ainda passam por avaliação.
3 – As Unidades que estão atualmente com chefes interinos serão priorizadas para iniciar os processos para seleção de chefe-geral, obedecendo as normas e critérios vigentes.
4 – Conforme norma regimental, o processo de seleção de chefe-geral é orientado pelas seguintes premissas: (1) direcionado a profissionais de reconhecidas competências técnico-científicas, gerenciais e administrativas (2) compromisso com o fortalecimento da meritocracia (3) alinhamento estratégico com o modelo de governança da Embrapa (4) prima por valores como sigilo, lisura, integridade e ética (5) comprometimento com o respeito às diferenças, diversidade e pluralidade. É importante ressaltar que a norma está em processo de revisão.
5 – Mediante o exposto, destacamos que a seleção para a Chefia-Geral e consequente avaliação, para sua recondução ou não, prima pelo rigor ao longo de todo o processo. Refutamos a acusação de aparelhamento, uma vez que todos os candidatos são servidores de carreira da Empresa e participam diretamente do processo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Empresa. Além disso, conforme destacado, dos 15 avaliados até o momento, somente quatro não foram reconduzidos.
6 – A Diretoria-Executiva da Embrapa tem foco no atendimento a todos os segmentos envolvidos na cadeia agropecuária brasileira, seja grande, médio ou pequeno produtor”.
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Fonte: Notícias ao Minuto