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Uma degustação realizada em Berlim, em 2004, mudou a visão que o mundo tinha sobre o vinho chileno. Essa degustação ficou conhecida como Berlin Tasting ou Cata de Berlim. Para comemorar a data, os organizadores da Cata de Berlim estão promovendo degustações de algumas das safras mais especiais de seus vinhos mais caros em 16 cidades do mundo. Em São Paulo, essa degustação comemorativa aconteceu dia 16 e no Rio, dia 18. Participei da de São Paulo e vou contar tudo para vocês, claro, mas primeiro deixa eu explicar o que foi a Cata de Berlim. Para começar, cata é degustação em espanhol. E tasting em inglês. E deixe eu já adiantar aqui que lá no fim do texto você vai descobrir como participar de experiências tão incríveis quanto esta.
O terroir do Chile sempre foi excelente, mas, até os anos 1980, como na maior parte do mundo, investia-se pouco em tecnologia e na formação de profissionais, o que resultava em vinhos até bons, mas não tão brilhantes. A partir daí, no entanto, essa história começou a mudar. Em 2004, o Chile já tinha feito sua lição de casa e já produzia alguns de seus chamados vinhos ícones, vinhos de altíssima qualidade, como o Don Maximiano (primeira safra é de 1983), Don Melchor (1987), o Seña (1995), Almaviva (1996) e Viñedo Chadwick (1999). Mesmo assim, fora da América do Sul, apenas meia dúzia de gatos pingados sabia que o país produzia grandes rótulos.
“Os principais críticos não vinham ao Chile”, conta Eduardo Chadwick, idealizador da Cata de Berlim e CEO do grupo Viñedos Familia Chadwick, que produz o Don Maximiano, o Seña e o Viñedo Chadwick. “Então, pus meus vinhos debaixo do braço e levei até eles.” Eduardo inspirou-se no Julgamento de Paris, um a degustação às cegas (onde ninguém sabe o que está provando) que em 1976 havia posto frente a frente, diante dos maiores críticos europeus da época, grandes vinhos californianos e grandes europeus.
Eduardo decidiu colocar diferentes safras dos três vinhos ícones do seu grupo para disputar com grandes vinhos franceses, de Bordeaux, como o Château Margaux, Château Lafite-Rothschild e o Château Latour, e italianos, como o supertoscano Solaia. Escolheu Berlim porque era um importante mercado emergente para vinhos chilenos.
Chamou para ajudá-lo ninguém menos do que Steven Spurrier, o crítico inglês que havia organizado o Julgamento de Paris. Juntos eles reuniram 36 dos principais nomes do vinho no mundo, entre críticos e sommeliers, e serviram 16 rótulos, sendo 8 chilenos. Sempre às cegas. “Eu não sabia qual seria o resultado”, conta Eduardo. “Só queria provar que meus vinhos eram comparáveis aos europeus. Também fiquei surpreso quando saiu o resultado, e o Viñedo Chadwick 2000 e o Seña 2001 tinham ficado em primeiro e segundo lugar. Tenho certeza de que eles votaram achando que estavam votando em vinhos franceses”. Cinco de seus vinhos ficaram entre os dez primeiros colocados.
Em 2005, o Otávio Piva, na época proprietário da importadora Expand, o convenceu a replicar a experiência aqui em São Paulo. Eduardo confessa que nessa segunda edição da prova ficou mais nervoso, já que então já tinha algo a perder. “Ninguém me garantia que, em São Paulo, com diferentes provadores, meus vinhos se sairiam tão bem quanto em Berlim”, diz. “Mas, novamente, ficamos entre os primeiros, com o segundo e o terceiro lugar. Isso me deu coragem para levar a prova para outras cidades do mundo.”
Tóquio, Beijim, Amsterdã, Londres… A prova percorreu o mundo nos anos seguintes. Até que, em 2012, em Moscou, Eduardo decidiu que colocaria vinhos com mais de uma década entre as amostras, tanto chilenos como europeus, para mostrar que os chilenos tinham, sim, uma boa capacidade de guarda, já que essa capacidade é um dos principais fatores para se decidir se um vinho é um grande vinho ou não. E seus vinhos velhos também se portaram muito bem.
Em 2013, Eduardo e seus vinhos voltaram a São Paulo e, dessa prova, eu participei, tanto que meu nome está lá, entre o de outros especialistas muito mais experientes, no livro sobre a Cata de Berlim. Que orgulho! Vejo aqui no livro que, nessa ocasião, o Château Margaux 2001 ficou em primeiro lugar, o Viñedo Chadwick 2000, em segundo e o Seña 2001, em terceiro. Não lembro de detalhes sobre cada um deles e nem em quem votei. Lembro apenas de que, às cegas, à diferença do que eu imaginava antes, era impossível dizer o que era chileno, o que era Bordeaux e o que era super toscano. Eram todos vinhos espetaculares, todos num estilo bordalês (de Bordeaux), muitos tinham um blend bordalês, ou seja, misturavam cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc e outras uvas da região de Bordeaux e pareciam ter passagem por barris de carvalho, assim como os vinhos bordaleses passam.
Não preciso falar o quanto essa experiência foi especial, preciso? Uma garrafa de Viñedo Chadwick, hoje custa cerca de 4 mil reais. A de Seña, 2 mil e oitocentos. (Ambos são distribuídos pela Place de Bordeaux, uma espécie de bolsa de valores do vinho. Então, não têm importadores exclusivos no Brasil.) A garrafa de Château Margaux e as dos outros grand cru classé de Bordeaux saem mais de 20 mil reais cada. Ter a oportunidade de provar todos eles, numa degustação conduzida pelo próprio Eduardo Chadwick, não tem preço.
Trabalhar com vinhos me proporciona várias experiências que não têm preço. E isso não é força de expressão. Um bom número dos jantares, degustações e viagens de que participo não estão abertos à venda. São encontros de trabalho. Nem por isso deixam de ser memoráveis, como a prova de 2013 ou a degustação no Rosewood.
Nessa degustação, Eduardo Chadwick quis ressaltar a capacidade de envelhecer bem de seus ícones. Não foi uma degustação às cegas nem tinha vinhos europeus na lista. Era uma degustação vertical, ou seja, de diferentes safras, com quatro safras do Seña (1998, 2008, 2015 e 2021), três do Viñedo Chadwick (2000, 2014 e 2021), três do Dom Maximiano (1984, 2008 e 2021) e duas do Kai (2010 e 2021), um vinho cuja primeira safra é de 2005.
Diante desse painel todo, o público de especialistas notou que a safra 2021 está excepcional e todos concordaram que os vinhos de Chadwick envelhecem muito bem. Eu já sabia disso. Não pela reputação do produtor, que de fato é das melhores, mas, sim, porque estive no Chile em outubro de 2023, a convite da importadora World Wine, visitando as vinícolas do grupo Viñedos Familia Chadwick e fazendo justamente provas verticais do vários rótulos.
Outra dessas experiências que não têm preço! Ou melhor, não tinha. Durante a viagem, fiquei impressionada com a beleza do local e com a qualidade da recepção que tivemos em cada uma das quatro vinícolas do grupo que visitamos: Viñedo Chadwick, no Vale de Maipo, e Errázuriz, Seña e Arboleda, no Vale de Aconcagua. Vinhedos lindos, paisagens de fundo espetaculares, com almoços e jantares maravilhosos! Aquilo renderia uma matéria de turismo ótima, mas, diante das minhas perguntas sobre visitas, com exceção da Viña Errázuriz, a resposta era sempre a mesma: “Não recebemos turistas”. Como não? Todo aquele capricho era só para jornalista ver? Era. Manifestei minha indignação mais de uma vez. Claro que não devo ter nada a ver com isso, mas em breve eles vão oferecer experiências para o público. Na degustação da Cata de Berlim, fiquei sabendo que será um modelo de turismo bastante exclusivo, mas haverá turismo. Viva! Conto mais lá embaixo, agora vamos seguir com minha viagem.
A primeira propriedade que visitamos foi o Viñedo Chadwick, em Puente Alto, no Vale de Maipo, razoavelmente perto da capital Santiago. É a casa da família, uma fazenda que Alfonso Chadwick Errázuriz, herdeiro da Viña Errázuriz (fundada em 1870) e outras empresas, comprou em 1942. Na época, existia ali a Viña San José de Tocornal. Alfonso era da seleção chilena de pólo. Ali ele tinha seu campo particular. Ali seus filhos cresceram. Nos anos 1960, por causa da reforma agrária, foi obrigado a vender boa parte da propriedade. Uma curiosidade, as terras onde está a Viña Almaviva, bem ao lado Viñedo Chadwick, faziam parte da propriedade da família Chadwick Errázuriz.
Contudo, Alfonso conseguiu conservar a residência da família e o campo de pólo. Eduardo, que assumiu a Viña Errázuriz em 1983, aos 24 anos, morou na casa do pai até alguns anos depois que esse morreu, em 1993. Em 1992, convenceu Alfonso a se desapegar do campo de pólo e plantar ali um vinhedo de cabernet sauvignon, pois sabia que o local era ideal para essa casta. Assim nasceu o vinho Viñedo Chadwick.
Até hoje a casa é usada para eventos familiares e para receber convidados especiais. Imponente pelo lado de fora, é bastante aconchegante por dentro, com todo o espírito de uma residência de campo de uma família de posses. Eduardo e sua filha Alejandra nos receberam pessoalmente.
Depois de conhecer a casa e pouco da história da família, degustamos seis safras do Viñedo Chadwick a começar da primeira, a de 1999. O vinho tem sinais de evolução, como a cor acastanhada e o aroma de couro, mas ainda está bastante vivo, com frutas escuras no nariz e uma boa acidez na boca. Achei especialmente bom na boca, com bastante taninos, mas taninos finos. Provamos também 2004, 2011, 2017 e 2021, a única repetida durante o evento de São Paulo. É de se imaginar que eles tenham orgulho de mostrar a safra 2021, ela recebeu 100 pontos da Wine Advocate.
Ou seja, já provei sete safras desse vinho. Em todas elas a cabernet sauvignon predomina, representando mais de 90% do blend. Nas safras de 2004 e 2011, a cabernet sauvignon aparece sozinha. Afinal, ela é a estrela de Puente Alto. Depois almoçamos com Eduardo e Alejandra no jardim, ao lado da piscina e partimos para o Vale de Aconcagua.
O destino era a Viña Errázuriz, uma bodega antiga em estilo colonial espanhol, que foi fundada pelo trisavô de Eduardo, o famoso Don Maximiano Errázuriz, em 1870. Conta a história que Don Maximiano saiu a cavalo de Santiago e viajou dois dias para norte até encontrar a terra que considerou ideal para fazer “o melhor vinho”.
A bodega histórica ainda está de pé, mas hoje ali só funcionam a administração, as caves com barricas e o receptivo de turismo. A poucos metros, está a vinícola ícone, que foi inaugurada em 2010. Um prédio moderno com uma arquitetura muito bacana, com bastante vidro, privilegiando a vista dos vinhedos, que é de chorar de tão linda. Lá são produzidos todos os ícones do grupo. Esta é a única propriedade deles aberta a visitação hoje.
Lá degustamos a safra 2020 do Kai, o carmenére top do grupo, e três safras do Don Maximiano: 1989, 2012 e 2020. Simplesmente me apaixonei pela safra 1989. Pensei até em comprar uma garrafa, que lá custava mais ou menos uns 500 reais, algo muito fora do meu orçamento. Só não comprei porque não deu tempo de passar na lojinha da vinícola. Ele é um 100% cabernet sauvignon, as outras safras que provei naquele dia são blends. Tem um tom acastanhado e aroma de tabaco, o que conquistou foi um toque de rosa seca que eu sinto às vezes nos barolos (italianos). Segundo me contaram lá, as uvas desse vinham ainda eram da época do pai de Eduardo, Don Alfonso.
De lá, seguimos para os vinhedos do Seña. O Seña é um projeto desenhado por Eduardo Chadwick e o lendário vinhateiro californiano Robert Mondavi. Surgiu depois de um passeio de Mondavi ao Chile, em 1991, no qual o jovem Chadwick foi o seu guia. A ideia era criar um vinho tão bom quanto um grande bordeaux. Fundaram a vinícola em 1995 e logo compraram a propriedade, de 42 hectares, em Ocoa, já mais próxima da Cordilheira da Costa do que da dos Andes.
Surgiu mais ou menos ao mesmo tempo em que os Rothschild faziam parceria com a Concha y Toro para criar o Almaviva. É muito baseado em uma filosofia de sustentabilidade. Os vinhedos são biodinâmicos, andamos pela propriedade, entramos na calicata, um buraco no chão do vinhedo que costuma ser feito para se observar a formação do solo. Ali o enólogo Francisco Baettig nos mostrou as pedras enormes que rolaram dos Andes e formaram o solo.
Depois, junto com o pôr-do-sol, jantamos num mirante incrível com vista para o Monte Aconcágua. Ali não há um restaurante. Eles levaram um chef e sua equipe para cozinhar pra gente. E, dando um spoiler, é esse tipo de experiência que eles pretendem oferecer para grupos pequenos e seletos (dispostos a gastar, é claro).
Antes do jantar, degustamos o Rocas de Seña 2021 (o segundo vinho da marca que é vendido a R$ 1.180,00 na World Wine) e cinco safras do Seña: 1995, 2008, 2011, 2015 e 2021 (aqui houve três safras em comum com a degustação do Rosewood). Todos estavam mais do que vivos, mas é importante ressaltar a qualidade da safra 202, que recebeu 100 pontos do crítico James Suckling e 98 da Wine Advocate. O corte é um bordalês dos velhos tempos: 50% cabernet sauvignon, 27% malbec, 17% carmenere e 6% petit verdot. Passa 22 meses na madeira, sendo boa parte em barricas francesas novas. Só um grande vinho aguenta tanta madeira. Este tem fruta e estrutura suficiente para isso.
Dormimos em um hotel de frente para o Pacífico e no dia seguinte visitamos a Arboleda. Fundada em 1999, num trecho do Vale do Aconcágua já mais próximo ao mar, essa vinícola fica entre quase 1,5 mil hectares de bosques nativos. Tem vinhedos em Chilhé e Las Vertientes. Produz vinhos mais frescos, como o pinot noir e os brancos, e bem mais baratos do que os outros que bebemos na viagem. Os preços variam entre R$ 179,00 e R$ 286,50, na World Wine. Provamos praticamente todos. Os que mais gostei foram o pinot noir, o syrah e o sauvignon blanc.
A área onde eles nos recepcionaram é só um pavilhão de madeira no meio dos vinhedos, mas com um design de muito bom gosto. E a equipe que preparou o almoço fez uma decoração cheia de flores e muito charme. Vendo aquilo, foi uma das vezes que falei quenão era possível que eles não recebessem turistas.
Agora eles decidiram que vão receber turistas. Certamente não porque eu sugeri, mas, sim, porque o Chile vem enfrentando alguns problemas com a queda no mercado chinês. Receberão turistas, mas não muitos. Ao fim da degustação do Rosewood conversei com o Sebastian Ramirez, gerente geral de Seña e Chadwick para a América Latina. Ele me contou que há planos de começar a receber visitas na primavera. Serão grupos pequenos, vindos por meio da World Wine (clientes especiais, confrarias) e da Consulting House, uma empresa que vende experiências para altos executivos. As visitas serão todas customizadas, então, o preço vai depender muito do que for pedido.
Tenho certeza de que não será barato, mas, como eu disse, até hoje não tem preço. Então, qualquer preço é mais acessível do que isto.
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Fonte: Folha de São Paulo