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Fenômeno de vendas e eventos literários há mais de quatro décadas, “O Menino Maluquinho” está entranhado na infância brasileira desde que foi criado em 1980 por Ziraldo. O autor mineiro morreu na tarde deste sábado (6), em sua casa, no Rio.
Seu símbolo maior, a panela à guisa de chapéu, pode hoje parecer inofensivo perto do maremoto de bizarrices detonado pelas redes sociais. E mesmo no livro o artefato estava longe de ser o aspecto mais peculiar do personagem.
O avô é quem dá o alerta: “Meu neto é um subversivo”. Ele era, sim, mas não por ameaçar levar bomba na escola. A aventura de aprender a ler é que ganhava um nível extra de subversão com o Maluquinho.
O menino fazia jus ao visual napoleônico: era um tipo que não parava quieto, que quebrava coisas, que tinha “fogo no rabo”, “o olho maior que a barriga” e “macaquinhos no sótão” responsáveis por encher-lhe a cabeça de ideias. No meio da baderna, dava testemunho de uma infância que começaria, em alguns anos, a sair de cena. A subversão acompanhava esse deslocamento e estava migrando da bomba para o fogo no rabo. Talvez tenha se ancorado aí parte do fascínio que faria durar o sucesso do menino nas décadas seguintes: a nostalgia da bagunça.
Justaposta à agitação, a sensibilidade do personagem convidava as crianças a refletir. Ele “sabia onde achar o azul e o amarelo” quando estava chovendo, o que o localiza numa época anterior à proibição do tédio. E caía de lado e caía de frente jogando bola. Caía e se ralava.
A cada reedição, o Menino Maluquinho, no entanto, se via diante de uma infância de traços distintos, que ia se metamorfoseando numa atividade fisicamente mais restrita e permanentemente supervisionada.
E o fato de o menino ter “dez namoradas”? Este guarda um odor mais azedo diante da bem-vinda disseminação do entendimento de que namoro não deve ser parte do universo infantil (pode haver também coisas boas nos caminhos destes tempos ansiosos que não demorariam a adornar a panela do Maluquinho com uma etiqueta de “boy lixo”).
Salvo por pouco do cancelamento, o Menino Maluquinho talvez tenha conseguido testemunhar a multiplicação das telas no ambiente doméstico e a elevação delas a um status soberano. E chegou também a esse universo tanto no bonito “live action” de Helvécio Ratton lançado ainda numa época em esse termo não era tão amplamente usado em português brasileiro (1995) quanto na animação que desembarcou no streaming e no ano de 2022.
O menino que gostava muito de rir, afinal de contas, cresce e descobre que, em vez de maluquinho, tinha sido apenas feliz. Não apenas pela liberdade baderneira mas apesar da dor do divórcio dos pais, ainda novidade numa narrativa infantil naqueles anos 1980.
Isso desloca o texto da nostalgia da infância para uma espécie de vanguarda de costumes. Apenas três anos separam a Lei do Divórcio, de 1977, do livro de Ziraldo.
Mais fresca ainda era a ideia de que as crianças poderiam, sim, ser resilientes e felizes apesar da dor, em contraposição à imagem mal-assombrada do “lar destruído” dos filhos de “desquitadas”.
O menino, depois de tudo isso, ainda ressoa nos leitores —talvez porque continuemos todos um pouco maluquinhos. Quem seria louco de duvidar disso?
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Fonte: Uol