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Embora tenha dirigido filmes como “Lição de Amor”, lançado em 1975, Eduardo Escorel teve uma carreira, sobretudo, de montador dos anos 1960 à década de 1980, com participação em produções hoje tidas como clássicas, como “Terra em Transe” (1967) e “Cabra Marcado para Morrer” (1984).
A partir de 1990, ele se dedicou principalmente à direção de documentários, voltados à história política do país, casos de “32 – A Guerra Civil” (1993) e “1937-1945: Imagens do Estado Novo” (2018), e às figuras renomadas da cultura brasileira, como “Deixa que Eu Falo” (2007), sobre o cineasta Leon Hirszman.
Escorel encontra a literatura no novo “Antonio Candido – Anotações Finais”, exibido no É Tudo Verdade em São Paulo e no Rio de Janeiro. Um encontro em família, afinal, um dos maiores críticos literários do Brasil no século 20 era seu sogro –Escorel é casado com Ana Luisa, a mais velha das três filhas de Candido e Gilda de Mello e Souza.
A partir dos 15 anos, Candido começou a deixar anotações em cadernos, com observações sobre o cotidiano e reflexões a respeito dos mais variados assuntos. Os dois últimos volumes foram escritos de 2015 a 2017, quando o crítico morreu, aos 98 anos. O documentário se baseia em trechos desses cadernos derradeiros e inéditos.
Nesses escritos, não surgem formulações teóricas, como as feitas por Candido em “Formação da Literatura Brasileira”, sua obra mais influente. Livros e autores aparecem sob a chave afetiva, em geral relacionados à juventude do crítico.
“Apesar do meu constante apego à poesia desde menino, nenhum poema me causou a emoção que passa do cérebro ao corpo, mesmo quando abala e faz vibrar. Isso, salvo esquecimento, aconteceu sempre com a ficção narrativa, e em número restrito. Talvez o primeiro desses choques tenha sido causado em 1933, quando tinha 15 anos, pela leitura de ‘Os Miseráveis’”, anotou.
Também vêm à tona questões políticas, como o impeachment de Dilma Rousseff —Candido foi um dos fundadores do PT. E ainda as tragédias sociais do país. “O alvo da luta social é, antes de mais nada, o negro, o grande excluído ainda hoje (…) A solução obnubilada foi, depois da abolição, descartá-lo em vez de incorporá-lo”, escreveu. “A verdade é que fracassamos, não soubemos ver o que olhávamos.”
A leitura dos trechos por Matheus Nachtergaele se dá na medida certa: precisa, mas não fria; eloquente sem jamais soar histriônica.
O ator não está em cena, apenas sua voz. O filme é composto por imagens do apartamento em São Paulo onde Candido e Gilda viviam e das ruas do entorno, onde ele fazia suas caminhadas cada vez mais curtas àquela altura. Há ainda fotos de diferentes fases da vida, especialmente da infância e da juventude. No “apagar da vida”, como diz, as reminiscências vão longe, em busca do rapaz que ele havia sido.
À primeira vista, as imagens, enganosamente discretas, estão a serviço do texto narrado por Nachtergaele. Não é bem assim. Na verdade, os sentidos se acumulam em camadas, criando novas leituras.
É o que acontece, por exemplo, nas referências a Gilda, que morreu em 2005, 12 anos antes do marido. A professora da USP e ensaísta está presente nas passagens mais ternas: “Ter vivido mais de 60 anos com ela me parece a justificação de minha vida e, provavelmente, um imerecido prêmio que me coube”.
Em momentos como esse, vemos retratos de Gilda ou imagens do casal sem gestos expressivos de afeto. Por quê? Aos olhos deles, dois intelectuais de prestígio, a câmera pedia comedimento? Ou era timidez? Não sabemos, mas a justaposição de som e imagem nesse caso estabelece mais contraste do que reiteração.
“Antonio Candido – Anotações Finais” trata das memórias literárias, da velhice, das amizades da juventude, das tensões sociais e políticas. Mais do que tudo isso, talvez seja um filme sobre o amor de Antonio Candido por Gilda, um sentimento que, neste caso, as palavras se atrevem a traduzir, mas as imagens não.
Dirigindo-se às filhas, ele escreveu: “Nos últimos dias, tenho pensado nela [Gilda] com intensidade, como num surto de felicidade perdida que desvenda uma espécie de privação insuportável, de injusta mutilação. Sinto então a mãe de vocês tão próxima que dá vontade de chamá-la e perguntar, crispado: por que se foi?”.
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Fonte: Uol