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A primeira coisa que fiz ao ler o novo livro de Judith Butler, “Quem Tem Medo de Gênero?”, foi procurar a palavra “fantasma”, que aparece 41 vezes apenas na introdução. Significa ilusão; o “fantasma de gênero”, uma ameaça enraizada no medo e na fantasia.
A segunda coisa que fiz foi dar uma boa risada sobre o título, porque a resposta para a pergunta de quem tem medo de gênero era… bem, eu tenho? Mesmo para alguém que escreveu sobre gênero e feminismo por mais de uma década e que já carregou o título de “editora de gênero” do New York Times, falar sobre gênero hoje pode parecer tão tenso, tão politizado, tão preso em uma guerra de palavras que o debate, ou mesmo a conversa, parece impossível.
O último livro de Butler vem mais de três décadas após o primeiro e mais famoso, “Problemas de Gênero”, que trouxe a ideia de “gênero como performance” para o mainstream. Acontece que Butler —que escreveu 15 livros desde então— nunca pretendia voltar ao assunto, mesmo enquanto uma guerra cultural acontecia. Mas então o político se tornou pessoal. Butler foi fisicamente atacada em 2017 enquanto falava no Brasil, e queimada em efígie por manifestantes que gritavam: “Leve sua ideologia para o inferno”.
Esta conversa foi condensada e editada para maior clareza.
Você já imaginou que veria um mundo em que suas ideias seriam tão difundidas —e tão tensas?
Quando escrevi “Problemas de Gênero”, eu era um palestrante. Eu estava lecionando cinco aulas, tentando trabalhar neste livro que pensei que ninguém leria. Ainda assim, eu sabia que não estava falando apenas por mim; havia outras pessoas que eram fortes feministas, mas também lésbicas ou gays ou tentando entender o gênero de maneiras que nem sempre eram bem-vindas. Mas hoje, as pessoas que têm medo das minhas ideias são aquelas que não me leem. Em outras palavras, não acho que são minhas ideias que eles têm medo. Eles inventaram outra coisa – uma espécie de fantasia do que eu acredito ou quem eu sou.
E, é claro, não são apenas minhas opiniões que estão sendo caricaturadas, mas o gênero de forma mais ampla – estudos de gênero, políticas que se concentram em gênero, discriminação de gênero, gênero e cuidados de saúde, qualquer coisa com “gênero” é uma espécie de perspectiva aterrorizante, pelo menos para alguns.
Então… quem tem medo de gênero?
É engraçado, tenho um amigo, um teórico queer. Eu disse a ele o nome do livro e ele disse: “Todo mundo! Todo mundo tem medo de gênero!”
O que está claro para mim é que há um conjunto de estranhas fantasias sobre o que é o gênero —o quão destrutivo é, e o quão assustador é— que várias forças têm circulado: Viktor Orban, Vladimir Putin, Giorgia Meloni, Rishi Sunak, Jair Bolsonaro, Javier Milei, e, é claro, Ron DeSantis, Donald Trump e muitos pais e comunidades em estados como Oklahoma, Texas e Wyoming, que estão buscando aprovar legislação que proíbe o ensino de gênero ou referência ao gênero em livros.
Obviamente, essas pessoas têm muito medo do gênero. Elas atribuem a ele um poder que eu realmente não acredito que tenha. Mas também têm medo as feministas que se autodenominam “críticas de gênero”, ou que são excludentes em relação a pessoas trans, ou que tomaram posições explícitas contra a política trans.
Você pode descrever o que a motivou a retornar a esse assunto?
Eu estava indo para o Brasil para uma conferência sobre o futuro da democracia. E fui informada antecipadamente que havia petições contra mim falando, e que decidiram focar em mim porque sou a “papisa”, a papa feminina, do gênero. Não tenho certeza de como consegui ter essa distinção, mas aparentemente consegui. Cheguei cedo ao local e podia ouvir a multidão do lado de fora. Eles tinham construído uma espécie de imagem monstruosa de mim com chifres, que eu interpretei como abertamente antissemita – com olhos vermelhos e uma aparência demoníaca – com um biquíni. Por que o biquíni?
Mas, de qualquer forma, fui queimada em efígie. E isso me assustou. E então, quando meu parceiro e eu estávamos saindo, no aeroporto, fomos atacados: Uma mulher veio em minha direção com um carrinho grande e ela estava gritando sobre pedofilia. Eu não conseguia entender por quê.
Você agradece ao jovem que se jogou entre você e o agressor, levando golpes. Foi a primeira vez que você ouviu essa associação com “pedofilia”?
Eu havia dado uma palestra sobre filosofia judaica, e alguém no fundo disse: “Mãos longe de nossas crianças!” Eu pensei, O quê? Eu descobri mais tarde que a forma como o movimento anti-gênero funciona é dizer: Se você quebrar o tabu contra a homossexualidade, se permitir o casamento gay e lésbico, se permitir a readequação sexual, então você se afastou de todas as leis da natureza que mantêm as leis da moral intactas —o que significa que é uma caixa de Pandora; todo o conjunto de perversões surgirá.
Ao me preparar para entrevistá-lo, recebi um alerta de notícias sobre o acordo “Não Diga Gay” na Flórida, que diz que as escolas não podem ensinar sobre tópicos LGBTQ do jardim de infância ao oitavo ano, mas esclarece que discuti-los é permitido. Você escreve que as palavras se tornaram “tacitamente consideradas recrutadoras e molestadoras”, o que está por trás do esforço para remover esse tipo de linguagem da sala de aula.
Ensinar gênero, teoria crítica da raça ou até mesmo estudos étnicos é frequentemente caracterizado como formas de “doutrinação”. Por exemplo, aquela mulher que estava me acusando de apoiar a pedofilia sugere que meu trabalho ou meu ensino seria um esforço de “sedução” ou “preparação”.
Na minha experiência de ensino, as pessoas estão discutindo o tempo todo. Há tanto conflito. É caótico. Muitas coisas estão acontecendo —mas a doutrinação não é uma delas.
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Fonte: Uol