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Apesar de ser um símbolo nacional, a cachaça não alcança o primeiro lugar nas preferências etílicas do brasileiro —basta olhar a carta de drinques de muitos bares por aí para ver a predominância de bebidas como gim e vodca.
Ainda assim, o destilado de cana-de-açúcar tem conquistado cada vez mais espaço no mercado internacional, em um movimento que vem ajudando a resgatar o seu prestígio Brasil adentro.
Quando começou a produzir a cachaça Pindorama, na região serrana do Rio de Janeiro, em 2015, o publicitário e artista plástico Rafael Daló escolheu vender suas garrafas primeiro em Portugal. Por ser feita de maneira artesanal, orgânica e sustentável, usando apenas a parte mais nobre do processo de destilação, cada garrafa custa em torno de R$ 130 —cerca de 10 vezes mais que as cachaças industrializadas, valor pouco competitivo para o mercado nacional.
Pouco tempo depois, em 2019, a Pindorama ganhou a medalha de prata na competição International Spirits Challenge, em Londres. E foi justamente essa chancela do mercado europeu que viabilizou sua estreia no mercado nacional. Mesmo com todos os méritos da produção artesanal, o selinho da premiação internacional colado em cada garrafa é o que, ao fim e a cabo, convence o brasileiro a comprar, dizem os produtores.
Uma das cachaças mais premiadas no exterior e a favorita de muitos bartenders, a gaúcha Weber Haus também se vale dos ares internacionais para conquistar seu espaço no mercado. Além das 14 medalhas, o sócio afirma que o modelo diferente da garrafa e a própria marca, que pode parecer alemã ou americana, ajudam a despertar a curiosidade de potenciais consumidores.
“Primeiro eles veem uma marca que parece gringa, e isso vai derrubando aquele preconceito inicial, até que eles provam e gostam”, diz Evandro Weber.
Para Bruno Videira, que pesquisa a história da cachaça na USP, o preconceito ainda é, de fato, a principal barreira para aceitação da cachaça no Brasil.
“É principalmente social, de classe, mas também de cor, porque a cachaça é uma bebida historicamente muito vinculada aos escravizados, aos negros”, afirma. “No começo do século passado, a elite paulistana preferia o vinho, por exemplo, por ser algo mais cosmopolita e civilizado do que a cachaça, que remetia ao passado colonial.”
“Ao longo do século 20, foi se criando uma descrença em relação aos produtos do Brasil, que é visto só como um exportador de matéria-prima. Por isso começamos por Portugal: queríamos ver como as pessoas de lá, sem essa carga emocional e histórica, reagiriam à bebida”, diz Daló, da Pindorama, que hoje pode ser encontrada, além de Portugal, na Inglaterra, Áustria e Alemanha, e em breve na Itália. “Descobrimos que elas conseguem beber até cachaça pura.”
Outra questão que explica a discrepância no desempenho da cachaça no mercado nacional e internacional é a própria dinâmica do setor de bebidas, no qual algumas poucas empresas multinacionais conseguem criar hypes como o gim-tônica, por exemplo.
No país, a articulação do setor acontece em eventos como o Cachaça Fair Trade, que aconteceu em São Paulo nesta semana, e por entidades como o Instituto Brasileiro da Cachaça. Há ainda o apoio da Apex, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, para promover a cachaça no exterior. Mas nada que se equipare, é claro, à capacidade de investimento em marketing de nível global das grandes multinacionais de bebidas.
“Dificilmente uma marca independente de cachaça vai conseguir levantar todo um seguimento, ou colocar um hype no mercado”, diz Guilherme Boavista, da Cãna, cachaça criada com foco no mercado externo e que conseguiu espaço nos Estados Unidos, na Europa e, mais recentemente, no Canadá.
Como os contratos de exclusividade entre fabricantes e bares tendem a girar em torno do gim, do uísque e da vodca, diz ele, as cachaças conseguem conversar individualmente com clientes mundo afora, galgando pouco a pouco seu lugar nos bares e nas prateleiras.
Esse movimento já vem gerando frutos. Segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça, em 2023 a receita do Brasil com a exportação da bebida ultrapassou os US$ 20 milhões (cerca de R$ 99,5 milhões), 52% a mais que em 2021, e o número de países importadores subiu de 75 para 80. Além disso, também começam a surgir bares de coquetelaria dedicados exclusivamente à bebida.
Ainda neste ano, a cidade de Washington, nos EUA, deve ganhar um bar de caipirinhas tocado por Radovan Jankovic, bósnio radicado na capital americana e que, recentemente, decidiu materializar sua paixão pela cachaça no Cana, que deve abrir em ainda neste ano.
Curiosamente, Cana também é o nome de um dos mais novos bares da Vila Buarque, em São Paulo, que serve exclusivamente drinques feitos com cachaça. A ideia por lá, entretanto, não é elevar a cachaça a um patamar refinado, mas compartilhar com os clientes as múltiplas possibilidades de apreciação da bebida.
“Minha ideia é mostrar às pessoas como consumir a cachaça, aproveitando toda a sua versatilidade”, diz Murilo Rocha, sócio do bar e da cachaça Coscobeu, produzida pela sua família no sul da Bahia desde 1982. “Quando todo mundo em um ambiente está consumindo cachaça e falando bem, as pessoas vão sendo conquistadas e a coisa vai ficando cool. E quando fica cool, os preconceitos começam a cair.”
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Fonte: Folha de São Paulo