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A decisão do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), por meio da Secretaria de Cultura estadual, de encerrar e substituir o programa Oficinas Culturais aprofunda uma crise no setor com artistas e agentes da cultura de São Paulo.
Eles afirmam que foram pegos de surpresa pela medida e que o governo não buscou o diálogo antes de por fim ao programa. Ele é sediado há 38 anos no prédio Oficina Cultural Oswald de Andrade, no bairro paulistano do Bom Retiro, e em outras duas unidades na capital —Alfredo Volpi, em Itaquera, e Maestro Juan Serrano, na Brasilândia. Também atua no interior do estado por meio de uma série de iniciativas.
O governo afirma que a mudança, caracterizada como uma reformulação, é fruto de um amplo diálogo com diferentes segmentos da indústria criativa.
A gestão estadual diz ainda não se tratar de um encerramento. “Eu não estou encerrando nada”, diz Marilia Marton, secretária da Cultura do estado. “É uma reformulação. A bem da verdade, é mais do que uma reformulação, é um resgate.”
As Oficinas Culturais oferecem cursos que abarcam as diferentes linguagens artísticas, entre teatro, literatura e artes plásticas. Agora, será rebatizado como CultSP Pro: Escolas Profissionais e de Empreendedores da Cultura, e dará mais atenção à formação técnica. Os cursos terão carga horária de 16 a 128 horas e contarão com oficinas em áreas como música, artes cênicas e games.
Há duas semanas, a Secretaria da Cultura revogou um edital, aberto em fevereiro, para contratar uma nova organização social para administrar o programa. O contrato firmado com a Poiesis, a OS à frente do programa há 14 anos, termina no fim de abril.
A revogação aconteceu em razão das mudanças, oficializadas na sexta-feira (22), preparando um novo chamamento público a ser divulgado nas próximas semanas.
A mudança gerou mal-estar no setor. Neste sábado, houve um ato na Oficina Cultural Oswald de Andrade contra a mudança no programa, na esteira de um protesto, na quarta-feira, em frente ao Theatro Municipal, no qual trabalhadores da cultura criticaram atrasos de pagamentos pela gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
“O que surpreende é que foi um anúncio que não veio a partir de uma conversa com o setor”, diz Benjamin Seroussi, diretor da Casa do Povo, centro cultural que existe há sete décadas no Bom Retiro.
Tanto a Oficina Oswald de Andrade quanto a Casa do Povo ficam na rua Três Rios, eleita pela revista britânica Time Out em 2021 como uma das 30 mais bacanas de todo o mundo. Ao longo de 700 metros, a via concentra um cenário vibrante, com pessoas de diferentes nacionalidades.
Seroussi diz que programas podem ser aperfeiçoados, mas que a descontinuidade de uma iniciativa tradicional é preocupante.
“Muita coisa se perde e desorganiza o próprio setor”, afirma, acrescentando que a área cultural não é contra mudanças. “Ela apenas quer ser envolvida em tomadas de decisões que lhe dizem respeito.”
Seroussi considera que uma das principais perdas pode acontecer na formação cultural, uma vez que serão privilegiados aspectos técnicos nos cursos. “A Oswald de Andrade sempre teve um entendimento muito inteligente do que é formação, algo que não se limita apenas a dar oficinas. A ideia era formar público e olhar”, diz. “Isso corre o risco de se perder.”
O espaço também fica próximo à Pinacoteca de São Paulo e ao Museu de Arte Sacra. Com o fim do programa, há o temor de que parte dessa efervescência se dissipe. “O bairro pode ficar mais vazio e, portanto, menos seguro.”
A reformulação preocupa no contexto de outras mudanças abruptas em espaços culturais do estado. Desde abril do ano passado, o Museu da Casa Brasileira, o único do país dedicado à arquitetura e ao design, deixou o endereço que ocupa há mais de 50 anos, o solar Crespi Prado.
Isso ocorreu após o fim do convênio entre Fundação Padre Anchieta e o governo, que se estenderia até 2026.
Desde então, o governo diz que a Casa Modernista, na Vila Mariana, será o novo endereço da instituição, mas o espaço ainda deve passar por um projeto de restauração que deve se estender até o ano que vem, com custo previsto em R$ 25 milhões.
Na avaliação do ex-secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, a solução soou improvisada, e não honra a vocação original e importância dos dois espaços.
Enquanto isso, o acervo do museu está em reserva técnica, e a Fundação Padre Anchieta diz que o solar Crespi Prado será transformado em outro espaço cultural.
De forma similar, um celeiro de jovens artistas e um dos maiores centros de experimentação estética do país, o Paço das Artes foi despejado do prédio que ocupou por 22 anos na Cidade Universitária em 2016, na gestão de Geraldo Alckmin.
Não só foram quatro anos até que o centro cultural fosse reconstruído como sua nova sede está muito aquém da anterior. Hoje, ele ocupa a garagem do antigo casarão de Nhonhô Magalhães, ao lado do shopping Pátio Higienópolis.
“Fazer da Oswald de Andrade uma escola técnica empobrece a cena como um todo”, diz Zé Renato, artista, produtor cultural e integrante da Frente Única dos Trabalhadores da Cultura. “Levando em conta o que está dito até agora, não será mais um lugar de fruição cultural.”
Em nota, a Secretaria da Cultura diz que o espaço continuará funcionando normalmente e que manterá as portas abertas para a comunidade artística.
Renato, porém, considera que a pasta deveria ter criado um programa adicional, e não encerrado uma iniciativa já existente. Ele lembra que o estado poderia ter usado parte dos R$ 500 milhões do Novo PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, para construir CEUs da cultura voltados ao ensino técnico e profissional. Mas, como a Folha mostrou, o governo Tarcísio recusou a verba para construir 54 novas unidades dos CEUs.
A gestão afirmou que o dinheiro que o Ministério da Cultura enviaria para o estado seria insuficiente para construir os prédios dentro das exigências do Novo PAC.
“Ignoram o diálogo com os movimentos sociais, a exemplo da Lei Paulo Gustavo em São Paulo”, afirma Renato. No ano passado, a implementação da medida gerou outro imbróglio entre o governo e o setor cultural.
A Secretaria da Cultura publicou editais que desagradaram parte da categoria. À época, agentes culturais afirmaram que os documentos estimulavam a centralização de recursos e negligenciavam o interior paulista. Por esse motivo, a Defensoria Pública da União entrou com uma ação para suspendê-los.
O pedido foi acatado em outubro, mas o governo recorreu e a decisão foi revogada. Artistas e agentes culturais dizem que a pasta não promoveu uma escuta ativa às suas demandas.
O governo reforça que as alterações buscam aperfeiçoar o programa, contemplando profissionais que querem se qualificar. Segundo Marton, a secretária da Cultura, o novo edital deve ser divulgado em até 20 dias. O programa terá início em agosto, a um custo de R$ 10 milhões para as aulas do segundo semestre.
Questionada sobre as críticas de que não teria havido diálogo com o setor, a secretária desconversou e disse ser importante ouvir o que o interior tem a dizer.
“Eu não sou a capital. Eu sou o estado de São Paulo inteiro”, afirma, acrescentando que o programa terá uma capilaridade maior nessa região. “As pessoas daqui [da capital] são importantes, mas elas não são as únicas. Não pode ter dinheiro dedicado apenas a elas.”
Articulador do FLIGSP, o Fórum de Artes do Litoral, Interior e Grande São Paulo, Caio Martinez afirma que a entidade, que está em 120 municípios paulistas, também não foi ouvida.
Ele diz não ser contrário a iniciativas de formação técnica, mas que essa mudança não deve aquecer o mercado. “Historicamente, a promessa de geração de emprego sob essa bandeira se mostrou falaciosa. Isso acontece porque promovem a formação, mas não oferecem demanda.”
Martinez diz ainda que um dos principais trunfos das Oficinas Culturais era estimular o senso crítico das pessoas. “Quando a gente reduz isso a uma formação técnica, a gente reduz também o potencial que a cultura tem de ser um fator de desenvolvimento social.”
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Fonte: Uol