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Alerta de spoiler: este é um texto de fã, não uma crítica. Fui ao show porque fiz questão, não por trabalho. Foi durante minhas férias, com ingresso, passagem e hospedagem pagos por mim mesma, sem compromisso nenhum com ninguém. Fui para gostar. E cantar, dançar, me emocionar. Fiz tudo isso, e gostei muito.
Foi no último 29 de janeiro, no Madison Square Garden, a casa de espetáculos e eventos esportivos mais emblemática de Nova York. Eu já sabia disso, mas pude confirmar com fatos e datas exatas porque, naquela segunda-feira fria, Madonna atrasou duas horas para entrar no palco.
O foyer do ginásio estava decorado com fotos, cartazes e placas dos momentos mais significativos que aconteceram ali, naquele palco e naquela quadra. Foi lá que Marilyn Monroe cantou “Happy Birthday, Mr. President” para John F. Kennedy, no aniversário de 45 anos do ex-presidente americano, em 1962. Vestida com o longo justo cor de pele cravejado de cristais que Kim Kardashian vestiu —e rasgou— no Met Gala.
Também foi no Madison Square Garden que aconteceu “A Luta do Século”, como ficou conhecido o segundo embate entre os boxeadores Muhammad Ali e Joe Frazier, em 1971, assistido por 300 milhões de pessoas ao redor do mundo.
Ao vivo, no estádio, a luta foi acompanhada por Bob Dylan, Woody Allen, Hugh Hefner, Barbra Streisand, Miles Davis, Ted Kennedy e os astronautas recém-chegados da Lua, na missão Apollo 14, que havia aterrissado na Terra há menos de um mês. Frank Sinatra queria tanto ver a luta de perto que aceitou a missão de ser fotógrafo por um dia da revista Life.
A primeira “enterrada” de basquete foi chamada por esse nome em um jogo no Madison Square Garden. O tal do “dunk”, em inglês, era novidade até acontecer ali, no século passado, e então passou a fazer parte do vocabulário de todos os jogadores, fãs, comentadores ou apenas curiosos do esporte.
E era lá que Madonna faria o último show na cidade em que mora e onde começou sua carreira, mais de 40 anos atrás. O atraso, portanto, era no mínimo curioso. Ela estava em casa, e nenhum trajeto dentro de Manhattan leva duas horas.
É a maior pequena cidade do mundo, a mais fácil de se localizar, com suas ruas e avenidas numeradas e organizadas de maneira que facilite ao máximo a movimentação de moradores, visitantes e turistas. Ainda mais em uma limusine com seguranças e batedores, como imagino que ela ande para lá e para cá em dias de show.
Perdida, portanto, era difícil que a rainha do pop estivesse. Despreparada também não. Os bailarinos que a acompanhavam não seriam loucos de se atrasarem e chegar depois das 20h, hora marcada para começar o espetáculo.
Algo diferente estava acontecendo. Os trabalhadores do Madison Square Garden, onde Madonna já tinha se apresentado outras três noites, me diziam que “ela chega quando ela chega”, com ar de desespero. Atraso não é uma coisa aceitável nos espetáculos americanos. Não se atrasa nas peças da Broadway, não se atrasa nas grandes apresentações de música, de esporte, de nenhum tipo. Nem em desfile de moda acontece mais isso.
Não sei e nem quis saber o que explica esse atraso, que vem acontecendo com frequência e virando notícia em diversos lugares por onde a turnê passou. Já foi até motivo de um processo judicial, de fãs que se sentiram prejudicados porque precisavam trabalhar no dia seguinte e tiveram menos horas do que gostariam para dormir na noite do show.
Fato é que, com duas horas de atraso, começou. Tinha feito um voto de estar ali, completamente presente, sem distrações. Fui sozinha porque quis. Não queria ouvir comentários, dividir impressões, sofrer censura nem ter testemunhas. Até porque já tinha visto muitas cenas do show no Instagram e não estava ali para registrar nenhuma imagem em nenhum outro lugar além da minha memória.
E assim foi, hit depois de hit, cada um com um cenário, um figurino, uma coreografia, uma luz, uma surpresa tecnológica feita para induzir a plateia a gritar de tanto susto, surpresa e emoção. Fiz tudo como se não tivesse ninguém olhando, dancei, cantei bem gritado, me descabelei, chorei mais de uma vez. Mas acho que, mesmo que eu tentasse, seria impossível chamar mais atenção do que algumas pessoas daquela plateia, que vestiam figurinos, e não roupas normais.
Ao meu lado, um homem de cabelo descolorido usava uma camiseta preta com o nome de um dos filhos de Madonna, Rocco, bordado no peito com lantejoulas prateadas e um chapéu de caubói cuja aba era de neon e piscava. Os figurinos mais marcantes da carreira da cantora estavam na plateia. Vi vários vestidos de noiva como o que ela usou para a lendária interpretação de “Like a Virgin” no primeiro VMA, o prêmio de música da MTV americana, em 1984.
Havia diversos tomara que caia rosa de cetim, com laço na parte de atrás, luvas e muitas joias, como no clipe de “Material Girl”, música que, aliás, ela não apresentou naquela noite. Muitos dentes de ouro, como na fase “Erotica”. Múltiplos collants lilás de manga longa com espartilho e bota prateada até o joelho, como no clipe de “Sorry”.
Tinham ainda numerosos seios fartos cobertos apenas por uma camada fina de renda, em meninas, meninos e tudo o mais, como ela fez várias vezes na vida –inclusive num dos figurinos do show. Inúmeros casacos de pele brancos, como no clipe de “Music”. Incontáveis sutiãs de cone dourado, como o desenhado para ela por Jean Paul Gaultier no figurino da turnê “Blonde Ambition”, de 1990.
Mas Madonna não é mais a mesma. A presença física dela ainda provoca em mim a mesma atração, o mesmo magnetismo, a mesma vontade de ouvir o que ela tem a dizer e entender como ela vê a vida. O que passou foi a sensação de estar na presença de uma mulher invencível, uma super-heroína da vida real.
Conscientemente, acho que ela é exatamente isso, uma super-heroína. Talvez a maior influência que eu tenha tido na vida, por mais que a adolescente dentro de mim esperneie de vontade de pertencer a um grupo um pouco mais punk, um pouco mais skatista. E que a jovem estudante de filosofia dentro de mim, que tomara a Deus não tenha deixado muitas marcas, quisesse ser um pouco menos fã.
Madonna me salvou de várias enrascadas na vida. A mais importante, certamente, foi a pretensão de ser levada a sério. Sonhava com uma carreira acadêmica, na qual eu não apenas falharia olimpicamente como passaria o resto dos meus dias infeliz e entediada.
Mas a existência daquela mulher potente, sensual, debochada e insolente me permitiu enxergar a delícia de tudo isso e meu deu a coragem de temperar minha própria vida com um pouco mais de cada um desses adoráveis adjetivos.
E, sim, esse show muitas vezes deixa a impressão de ser uma releitura da obra de Madonna pelo Cirque de Soleil, de tanto pulo, tanta dança, tanta encenação, tanto contorcionismo que tem, além de nenhuma banda no palco. De onde vem o som?
Mas é a música dela que importa. E nenhum painel de 30 metros de altura que parece surgir do nada, nenhum instrumentista flutuando por cima da plateia, nem ela mesma voando em uma moldura vazada de roupa justa realçando sua bunda, nem um dançarino idêntico ao Michael Jackson, num dos momentos mais emocionantes do show –e o único que eu não resisti e filmei– em que ela encena um “dueto” imaginário com seu contemporâneo e amigo, fazem sombra à trilha sonora daquela celebração.
É a trilha sonora de várias vidas. De quase todo mundo que estava alerta nos últimos 40 anos. E é linda demais.
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Fonte: Uol