[ad_1]
Algo bastante curioso vem ocorrendo no mundo dos contos de fadas. De uns tempos para cá, Chapeuzinho Vermelho morre cada vez mais na barriga do Lobo, Rapunzel engravida com mais frequência dentro da torre e as capas dos livros estampam orgulhosas que trazem essas histórias em “versões originais”.
É difícil dizer quem nasceu primeiro, se a moda ou o marketing. Editoras perceberam já faz alguns anos que alardear que estão publicando “contos de fadas originais” ajuda um bocado na hora de impulsionar as vendas —afinal, é muito sedutora a ideia de um complô global encabeçado pela Disney, que teria nos impedido de conhecer as “verdadeiras” narrativas.
Mas o que esses livros costumam fazer, na verdade, é um pouco mais simples. Geralmente, eles republicam contos clássicos de autores dos séculos 17, 18 e 19, sobretudo os assinados pelo time formado pelo francês Charles Perrault, os alemães Jacob e Wilhelm Grimm e o dinamarquês Hans Christian Andersen. Boa parte dessas histórias, abrigadas hoje sob um guarda-chuva chamado de contos de fadas, porém, não foi exatamente inventada por eles.
Muitas, sobretudo as dos irmãos Grimm e as de Perrault, fazem parte de um caldo cultural ancestral, comum, coletivo, com origem incerta na tradição oral. Tanto que estudos recentes estimaram que algumas dessas narrativas já eram contadas em idiomas indo-europeus, antes mesmo de o latim ou de o grego surgirem.
O que esses autores fizeram foi selecionar algumas dessas tramas e escrever as suas próprias versões delas. É o caso de “Chapeuzinho Vermelho”, por exemplo. E aqui está o pulo do gato. Como falar que essas são as originais? Ou como dizer que qualquer versão é original?
O fato de esses registros soarem mais sombrios, violentos ou até mórbidos hoje em dia não é o que torna um ou outro mais ou menos pioneiro. Até porque essas histórias sobreviveram justamente por isso, porque mexem com nossos sentimentos mais profundos, nossos medos, angústias, desejos, impulsos, sonhos. E os textos de Andersen, Grimm e Perrault mantêm em grande medida essa aura.
Foi só no século 20, quando a infância ganhou os contornos e as legislações protetivas que conhecemos hoje, que as versões mais fofas, leves e açucaradas desses contos se espalharam com força, tirando de cena a gravidez, o sangue, a morte dos mocinhos, o medo, a violência impune. E aí o papel de Walt Disney foi fundamental.
Talvez seja interessante especular por que esses traços mais sombrios e as íntegras das narrativas escritas a partir do século 17 seduziram a cultura pop no século 21. Mas aqui queria levantar outra questão. Apesar desses “contos de fadas originais”, será que ainda sobra espaço para narrativas mais infantilizadas, nas quais o choque, a brutalidade e o desamparo são suavizados até o limite?
Ruth Rocha diz que sim. A autora de clássicos da literatura infantojuvenil brasileira, entre eles “Marcelo, Marmelo, Martelo” e “O Reizinho Mandão”, acaba de lançar a coleção Recontos Bonitinhos, pela editora Global. Nela, a escritora de 93 anos cria suas próprias versões de contos tradicionais e fábulas.
Já foram publicados “Chapeuzinho Vermelho” e “Cachinhos Dourados”. O próximo título será “A Nova Roupa do Rei”, seguido de “A Lebre e a Tartaruga ” e “A Pequena Polegar”, no segundo semestre.
Mas a fórmula é a mesma. Indicados para leitores pequenos e ainda em fase de alfabetização, os livros recontam os clássicos sem grandes surpresas, de forma controlada, com tramas aveludadas, quinas acolchoadas e finais felizes. Além disso, transformam a linguagem ao optar por versos rimados e aproximar as tramas da realidade brasileira —principalmente “Chapeuzinho Vermelho”, que é uma menina negra nas ilustrações de Isabela Santos e leva pão de ló para a vovozinha.
Com essas obras, é como se Ruth Rocha iluminasse o caminho e dissesse que, sim, é inegável a moda de “contos de fadas originais” e a demanda por eles. Mas, veja só, esse não é o caminho único. Há lugar também para versões mais brandas, fofas e temperadas com a calma dos finais felizes —e isso não significa deixar de lado o cuidado literário ou produzir algo bobo ou raso, como bem mostram os títulos de Recontos Bonitinhos.
No fundo, essa diversidade só exibe a grandeza desses contos tradicionais. As mesmas histórias podem ter infinitas abordagens, leituras, versões. Podem mudar de roupa. Mas, independentemente da apresentação, elas quase sempre fazem vibrar algo misterioso dentro de quem as lê. E isso é poderoso.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
[ad_2]
Fonte: Uol