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O tema da temporada 2024, inaugurada na quinta-feira, dia 7, é “Osesp 70 anos”. Mesmo que seja possível pinçar bons momentos na oscilante história antiga da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, nada se compara à revolucionária reformulação liderada por John Neschling, que culminou com a inauguração da Sala São Paulo em 1999.
Sem receio de exagerar, pode-se dizer que são, portanto, 25 anos desde que —a partir do improvável mundo da música clássica— um capítulo de extraordinária força e influência foi aberto nas artes do país.
A própria constância e regularidade dessas temporadas, incomparáveis a quaisquer outras entre nós em quantidade, diversidade e qualidade dos espetáculos, passa a ser em si motivo de celebração.
E se o marketing da instituição às vezes procura chamar atenção para o que é acidental ou decorativo ao mundo da música, os músicos, conduzidos pelo regente titular Thierry Fischer, agora plenamente ambientado, trabalham cada vez mais com serenidade e concentração sobre o essencial.
De fato, quem olha para o programa apresentado no primeiro concerto da temporada de assinaturas, não encontrará alimento algum para efeitos pirotécnicos: a “Missa em Dó maior, Op.86”, de Beethoven, com os seus cinco movimentos cantados em latim —e a participação do Coro da Osesp, juntamente com os solistas Susanne Bernhard, Luisa Francesconi, Werner Güra e Paulo —Szot e a “Sinfonia nº1”, de Brahms
Fischer tem coragem para segurar certos andamentos, mas o faz porque tem detalhes a oferecer. O ataque inicial do “Glória” foi assombroso, síntese de força com delicadeza, sem excesso de energia nem apatia.
O fugato do “Credo” foi ágil, com as vozes agudas do coro extremamente arredondadas. Nada do que é tocado é apenas o retrato de um estilo: a Osesp não quer mais deixar nada passar em branco, nem frase secundária, nem mudança harmônica.
Por isso, para falar da orquestra hoje, tem-se que, forçosamente, cada vez mais, falar não apenas do “que” ela toca, mas de “como” ela faz música.
A interpretação da “Primeira Sinfonia” de Brahms é um ótimo exemplo do que se pode esperar para o ano. Com violas, violoncelos e contrabaixos posicionados em um eixo diagonal, da direita para a esquerda do palco, quando vistos da plateia, os graves saem compactados, vindos do centro do grupo.
No primeiro movimento, cordas e madeiras ressoaram umas sobre as ressonâncias das outras, de modo perfeitamente equalizado. A percepção temporal nada tem a ver com a velocidade: a duração foi de quase 45 minutos, mas a sinfonia fluiu sem uma única falha de continuidade, em performance comparável a das melhores orquestras internacionais.
Quanto mais escutadas com atenção, mais complexas parecem ser as sinfonias de Brahms. Harmonia e contraponto estão totalmente enlaçados, e a alteração em qualquer parâmetro musical (como o ritmo, por exemplo) afeta imediatamente os demais, rumo a uma densidade crescente.
A modernidade de Brahms é frequentemente constatada em seu tratamento da forma, onde nada é fixo e cada elemento está sempre em processo de transformação. Mas a interpretação da Osesp mostra que há ainda mais do que isso: reina em sua escrita uma “gentileza criativa”, que prepara cuidadosamente cada nova seção, a qual deve emergir naturalmente, sem nenhuma ansiedade.
A Osesp tocou assim: há uma forma estrutural, ela está em seu devido plano, mas não precisa ser enfatizada, o que permite que cada frase desabroche a partir de si mesma, com liberdade, em tempo próprio, como uma viagem que se descola do roteiro.
No segundo movimento, os solos dos diversos instrumentos —flauta, trompa, violino— de fato conduziram livremente a trama e, no quarto movimento, o efeito sonoro dos “pizzicati” (cordas tocadas sem o arco) foi primoroso –não apenas pela precisão, mas pela sutileza nas variações de andamento.
Brahms será um dos temas centrais da temporada. Serão apresentadas as suas quatro sinfonias, os dois concertos para piano e orquestra, o “Concerto para Violino, Op. 77” e a “Canção do Destino, Op. 54”, entre outras obras. Se o nível da estreia for mantido poderemos ter um ciclo de referência.
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Fonte: Uol