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No cinema contemporâneo, chama-se reflexibilidade uma característica desenvolvida no documentário, que consiste em espelhar a presença da câmera e do cinegrafista ao longo do filme.
Na origem dessa prática está um problema ético, que envolve deixar claro ao espectador que documentar não equivale a mostrar a verdade como um fenômeno. Existe ali todo um aparato, a direção, a luz, a equipe. A objetividade da câmera é, portanto, muito relativa, e depende do que o filme pretende dizer sobre aquele objeto.
Para ficar num exemplo bem próximo de nós, o cineasta Eduardo Coutinho vez por outra entregava uma quantia ao seu entrevistado, que assinava um recibo. Maneira de dizer que aquela pessoa não era um passante desprevenido, e sim alguém que foi pago para falar algo no filme.
Toda essa introdução um pouco desajeitada visa levar ao espelhamento, que em “As 4 Filhas de Olfa” tem uma finalidade mais estética do que ética. Isso já se anuncia no belo plano de abertura, em que uma claquete entra em cena, rompendo o preto do cenário e tapando nossa visão da cena familiar em que Olfa está acompanhada de duas filhas. A voz da diretora se sobrepõe à imagem e anuncia a intenção de narrar a história familiar já no título.
Das quatro filhas de Olfa, as duas mais velhas, Gofrana e Rahma, estão desaparecidas. Sua ausência será suprida por duas atrizes. As duas filhas representarão a si mesmas. Estamos diante, portanto, de uma representação, como no teatro. A diretora, Kaoulter Ben Hania, não esconde isso. Inclusive ela própria entra em cena, como um duplo de Olfa.
Das durezas da vida, dos homens infames, dos estupros que acontecem ali mesmo na Tunísia, de onde nos chega o filme, Olfa vai à Líbia para trabalhar. Em dado momento, as duas filhas menores.
Durante todo o tempo, a família —o que resta dela— é assombrada pelo fantasma religioso. Usar o véu ou não usar —eis o dilema das moças. São constrangidas pelos religiosos radicais, muçulmanos, no caso, a usar o véu sob pena de punição muito severa, na vida futura.
Mas a vida futura rebate sobre a presente, e a religião se mostra tal qual é, um instrumento de poder, que, evidentemente, atinge as mulheres com toda força. Em determinado momento, Rahma está tão convencida de ser uma pecadora, ou uma errada talvez, que começa a se chicotear.
Nessa altura do filme, e dado que a Rhama e a Ghofrane que entram em cena são duas atrizes, o espectador começa a se perguntar onde, afinal, foram parar as duas outras filhas, as mais velhas.
Essa é, diga-se, a grande sacada desse documentário. Pelo que é dito anteriormente, as duas moças poderiam ter inúmeros destinos. O que o filme mostra está longe de ser o menos interessante —pelo contrário, abre para um mundo que pouco conhecemos.
Na revelação, preparada com cuidado e sem alarde, está boa parte do encanto deste “biodoc”, em que a reflexibilidade joga papel alternativo —é possível que o sistema esteja um tanto desgastado. Ddesde o início, revela um cuidado nos detalhes, seja da narrativa, seja no arranjo dos planos ou na direção das atrizes-personagens.
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Fonte: Uol