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A família Von Erich começa o filme “Garra de Ferro” com a vida perfeita. Eles têm uma casa no campo, onde todo o dia fazem as refeições juntos. O momento financeiro é bom porque o pai —astro aposentado da luta livre— comanda um ringue local que mira a TV nacional. Já os quatro filhos são o sonho de consumo da família americana, um deles até se prepara para disputar as Olimpíadas.
Mas esse paraíso bucólico tem algo de errado. O primeiro sinal surge quando o filho mais velho, vivido por Zac Efron, pede para a mãe interferir nas broncas que o pai dá no seu irmão caçula, o mais sensível. A matriarca, interpretada por Maura Tierney, responde sem pestanejar: “Isso é um problema entre eles”.
Esse momento, muito breve, é uma síntese das boas escolhas que guiam o diretor Sean Durkin pela vida dos Von Erich. A família protagoniza uma das histórias mais conhecidas e tristes da luta livre americana, logo no momento em que o esporte começava a ganhar a televisão no país.
Além do pai, Fritz, cinco dos seis filhos se profissionalizaram no esporte, e quatro deles se tornaram campeões mundiais entre os anos 1970 e 1980.
O sucesso foi passageiro. Dos herdeiros, apenas um está vivo hoje, e o resto morreu até a metade da década de 1990. O mais velho, ainda criança, aos seis anos. Outros três irmãos morreram por suicídio. Com isso, se criou a lenda da maldição dos Von Erich, alimentada pela ideia de que o pai usou outro nome para ganhar fama no ringue.
Toda essa tragédia é redimensionada para o melodrama em “Garra de Ferro”. O filme também reduz o escopo, cortando da trama o irmão mais novo para priorizar o quarteto que fez história no esporte. Assim, as atenções pairam sobre Kevin, papel de Efron; David, vivido por Harris Dickinson; Kerry, interpretado por Jeremy Allen White; e Mike, sob a tutela de Stanley Simmons.
O filme, assim, opera na fraternidade dos quatro e, mais importante, no contraste deles com o pai, vivido com opulência por Holt McCallany. Fritz na história é uma figura ameaçadora, e a narrativa destaca isso logo na abertura ao sobrepor a imagem de seu rosto na luta com a de um ringue vazio.
A sequência, filmada em preto e branco, lembra o começo de “Touro Indomável”, de 1980, e a comparação é proposital. Como o Jake LaMotta de Robert De Niro, Fritz é um homem bruto, que domina as atenções —e os filhos. A diferença é que ele nunca foi um campeão.
Nesse ponto, “Garra de Ferro” é fadado a lidar com temas masculinos, incluindo as questões paternas e a toxicidade do macho ideal, por um viés de controle.
O título brinca com isso. Garra de ferro é o nome de uma manobra da luta popularizada pelos Von Erich, que envolve segurar o adversário pelo rosto com a mão em forma de garra. Ela serve para encerrar a briga, mesmo que de maneira reprovável.
Kevin começa o filme já na busca pelo título mundial. Sua figura é de longe a mais monstruosa da família, uma máquina de músculos inchados que até distorce o rosto de Zac Efron.
Ele é também o único filho vivo de Fritz, o que explica o seu protagonismo na história. Mas também será por meio dele que Sean Durkin construirá a derrocada do longa, com a sua ambição impulsionada pelo desejo frustrado do pai em vencer no esporte.
Ao mais velho, caberá o olhar da testemunha. A câmera acompanha Kevin de perto e, com paciência, o transforma em uma figura dominada pelo medo, um vulto dentro do plano. Ao espectador, cabe a dúvida se o sonho dele é somente o desejo do pai —e, portanto, a raiz da morte dos irmãos.
Por acaso, a virada acontece quando o trio formado por Kevin, David e Kerry vence o título, e o pai rouba o microfone nas comemorações no ringue. A cena, filmada em um plano aberto que se fecha na família, mostra Fritz profetizando que os filhos formarão uma dinastia no esporte. Quando ele diz isso, apenas o seu sorriso se mantém.
Mas o lado mais forte de “Garra de Ferro” não é o medo, mas a discussão do luto e, em particular, da recusa em se admitir a morte.
Na busca insaciável e frustrada pela vitória, a família —talvez pelo pai, talvez pelos efeitos dos ringues— se resguarda da dor. Uma postura de controle, que faz sentido nas lutas para continuar na disputa, mas que na vida real se torna uma experiência sufocante.
A imagem da mãe que se refreia de cuidar dos filhos se impõe nesse momento, até mesmo porque sua postura estoica vale para tudo. Em uma das cenas mais fortes do filme, a personagem confessa à nora, vivida por Lily James, que não consegue usar o mesmo vestido preto para o terceiro enterro de um filho. No papel, Maura Tierney brilha ao se restringir por completo, revelando alguém que se fecha ainda mais para o mundo a cada nova perda.
Sean Durkin, assim, reordena a história dos Von Erich como a de uma casa em deterioração. O caminho é bastante conhecido por ele, que fez algo similar em seu longa anterior, “O Refúgio”, de 2020. Ali, também, Durkin brincava com a alienação dos personagens, em uma mansão alugada por uma família que via o sonho de riqueza cair por terra.
A grande diferença, aqui, é a adesão ao melodrama clássico. Pelo gênero, “Garra de Ferro” luta contra as suas próprias amarras na procura do sentimento, aqui traduzido na imagem do amor fraternal perdido.
Se essa busca acabou frustrada na realidade pelas mãos frias da morte, Durkin usa o cinema para encontrar algumas soluções simbólicas. O único custo são as muitas lágrimas que desperta no público.
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Fonte: Uol