[ad_1]
Dos quatro atores de “Cuckoo”, três são panelas de arroz elétricas. O nome da peça é o mesmo pelo qual esses eletrodomésticos são conhecidos na Coreia do Sul, onde são utensílios indispensáveis. Mais ou menos como a fritadeira elétrica no Brasil.
O quarto ator é Jaha Koo, criador cênico e artista em foco da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp, que usa os utensílios inusitados para contar uma história densa.
“Cuckoo”, de 2017, é o segundo espetáculo da trilogia “Hamartia” —que inclui ainda “Lolling and Rolling” e “A História do Teatro Ocidental Coreano”—, mas será exibido primeiro na mostra. A peça investiga o sentimento de isolamento que permeia a vida de jovens da Coreia do Sul, que chegam à idade adulta em meio à crise econômica.
Longe de uma ideia tradicional de teatro, Jaha Koo abusa de projeções e músicas, além de contracenar com as máquinas. Pincelando a tragédia com humor, Koo articula a história e o presente de seu país e sua vida pessoal para falar sobre a morte, o aumento nas taxas de suicídio no seu país e a perspectiva de felicidade.
O artista de 40 anos nasceu no interior da Coreia do Sul e se mudou para Seul, a capital, por volta dos dez anos. “Seul é um ambiente completamente diferente. É outra diversidade, outras influências, minha vida mudou muito rápido”, diz o encenador, que se formou em teatro na cidade.
“Eu queria estabelecer meu próprio método como artista, mas não conseguia achar um lugar onde pudesse fazer meu trabalho. Por isso entrei para a universidade. Eu conseguia fazer meus projetos em paralelo às aulas”, diz. A forma como o estudante enxergava seu ofício, no entanto, não ressoava com a de seus colegas.
“Eu já estava bastante cético e confuso com o teatro”, afirma. “Se você perguntar o que é teatro na Coreia, a maioria das pessoas vai pensar na tradição ocidental. Na faculdade, todo mundo estudava teatro europeu ou americano.”
Aos 20, percebeu que precisava entender suas influências culturais. A Coreia da Guerra Fria em que Koo cresceu ainda tinha as marcas da colonização japonesa do começo do século —e recebia cada vez mais cultura americana.
A Coreia do Sul foi anexada como parte do império japonês em 1910, após uma conquista violenta, e só deixou de pertencer ao vizinho asiático em 1945, sob as asas dos Estados Unidos, que estabeleceu seu domínio cultural e bélico.
“Muitas pessoas mais velhas me diziam ‘você tem que saber de onde você veio, tem que manter suas raízes’. Mas a nossa raiz só existia antes da colonização japonesa. A identidade cultural coreana de hoje é completamente diferente da de cem anos atrás.”
Aos 28, o diretor deixou a Coreia em busca de um lugar em que pudesse desenvolver seus projetos sem a oposição que encontrava no país. Nessa época, ele já pensava em fazer teatro sem atores humanos, o que entraria em conflito com as ideias que circulavam no meio, onde a regra era se juntar a uma companhia.
Ele se mudou para a Europa, onde fez seu mestrado, e mora há mais de uma década entre a Holanda e a Bélgica. Em 2013, o ator queria fazer as três peças que vêm para São Paulo, mas não sabia por onde começar. A escolha por “Lolling and Rolling” partiu das dificuldades que tinha para se comunicar em inglês enquanto estudava.
A primeira peça da trilogia parte da linguagem para mostrar os efeitos do imperialismo americano na Coreia do Sul. “É muito irônico, porque eu investi bastante tempo e dinheiro no meu inglês quando estava na Coreia. E não sou só eu, a maioria dos coreanos passa pela mesma coisa”, ele diz, apesar de reconhecer que o cenário é diferente com as novas gerações.
Nos anos 2000, houve uma onda de pais coreanos levando suas crianças ao médico para que elas tivessem parte da membrana que prende suas línguas cortadas. O procedimento, acreditava-se, permitia que os jovens pronunciassem melhor o som do “r” do inglês —vantagem competitiva em um país pautado pela cultura anglófona.
A partir dessa prática e da história de um professor estrangeiro que ensinou inglês a Koo, o espetáculo mostra como a imposição da língua pode ser um instrumento potente da colonização cultural.
A última peça, “A História do Teatro Ocidental Coreano”, de 2020, surgiu após um evento sobre cem anos da história do teatro coreano. O marco causou estranhamento no artista —como seria possível datar uma arte que, em teoria, existia desde sempre?
Koo percebeu que o que estava sendo celebrado era uma tradição que parte da influência do Japão e do mundo ocidental na cultura de seu país.
Quando Koo montou essa obra em 2020, muito tempo havia se passado desde a primeira da trilogia. Ele já estava há quase uma década na Europa. Sentiu, então, que deveria atualizar suas peças para reapresentá-las como uma trilogia, sob o nome de “Hamartia”, termo que vem das tragédias gregas e significa o erro fatal que leva à queda de um herói.
Agora, o diretor trabalha em duas novas peças, além de projetos musicais, e indica que as máquinas devem ser seus únicos atores no futuro.
“Meu método de teatro talvez seja mais próximo do das artes visuais contemporâneas. Tenho me perguntado o que é, afinal, teatro e como eu posso me definir. Minhas principais linguagens são a música e o vídeo. Ainda me interesso muito em fazer arte pós-humana”, afirma ele, emprestando o termo da ficção científica que nos remete às formas de vida capazes de superar a condição humana.
[ad_2]
Fonte: Uol