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No palco encarnando Lygia Clark, a atriz Carolyna Aguiar corta uma fita de Moebius, uma tira de papel torcida antes de ter as pontas coladas uma na outra. Pela forma como a fita de Moebius se estrutura, o ato de cortá-la nunca chega ao fim: ela vai se dividindo em outras fitas que se entrelaçam indefinidamente.
A cena mostra exatamente a execução de “Caminhando”, obra criada pela artista plástica em 1964, que propõe ao participante o papel ativo de ter a tesoura, e as escolhas, na mão.
“Caminhando” carrega consigo o sensorial, o precário, a inclusão do público na obra, várias questões centrais do trabalho de Lygia. E de sua própria trajetória pessoal e percepção da vida.
“Eu tive um insight em cena do que era ‘Caminhando’, fiquei emocionada enquanto cortava”, diz Aguiar. “Porque a obra acaba quando você decide parar de cortar. Você não corta para fora da fita, você só para.”
“É como a vida e a morte. Você não sai da vida. Você não sai desse ‘loop’, desse ‘flow’ contínuo. Você existe nele. E a decisão de parar é uma decisão sua.”
“Lygia”, que estreia temporada na terça-feira (5), no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, dá um panorama da vida, da obra e do pensamento da artista, como tesoura traçando um caminho possível na Fita de Moebius de sua existência.
O monólogo foi escrito a partir dos diários de Lygia por Maria Clara Mattos, que também assina a direção ao lado de Bel Kutner. É a primeira vez que a peça é encenada num teatro, já que suas montagens anteriores foram principalmente em galerias de arte.
“Lygia” começou a nascer quando, durante uma pesquisa para um trabalho anterior, Aguiar entrou em contato com os diários da artista. Mattos demorou quatro meses para entregar a primeira versão do espetáculo, mas o projeto que começou em 2014 só foi ao palco em 2019.
O mergulho na cabeça de Clark desafiava a autora, bem como Kutner e Aguiar, não só pelo volume gigantesco de diários ou pela densidade dos textos. Mas como concentrar em 70 minutos uma vida tão rica e criativa quanto atormentada?
“Sua criação era sempre associada a um processo de dor, de sofrimento, de angústia, ela era muito atormentada psiquicamente”, diz Mattos.
Lygia se referia constantemente à transformação incessante, um movimento doloroso. “Ela usa muito a palavra ‘metamorfose’”, diz Aguiar. “A dor constante da metamorfose. É como se ela estivesse dando o corpo a uma metamorfose que nunca acaba”.
O norte foi entender por que os impulsos por trás das obras e limar questões puramente pessoais da vida da artista, ainda que pudessem ser emocionantes.
Apesar de Aguiar, a princípio, ter pensado que mimetizar Lygia em cena seria ruim, mudou de ideia no primeiro ensaio.
“A Lygia ia odiar que eu estivesse de moleton. Fui trocar de roupas e quando o restante da equipe chegou, eu estava fumando um cigarro, de laquê e com um uísque na mão”.
No fim, a caracterização impressionou quem conheceu a artista, morta aos 67 anos em 1988, e levou seus filhos às lágrimas.
Ao falar de sua trajetória, a peça mostra com sua arte desafiou uma série de estruturas, provocando fissuras ao propor obras manipuláveis pelo público, como os “Bichos”, ou feitas com materiais banais, como pedras ou sacos plásticos.
Ao levar suas reflexões para práticas terapêuticas, foi rechaçada pela comunidade de psicanalistas, que não reconheciam seus métodos. “Ela foi rompendo com tudo, destemidamente, o tempo todo”, diz Kutner, que retoma o exemplo da fita de Moebius em “Caminhando”. “É uma obra que só existe enquanto está sendo feita. Depois que acaba, acabou”.
“Como o teatro”, afirma Mattos.
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Fonte: Uol