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É raro um artesão do Vale do Jequitinhonha expor num museu, diz Maria Lira Marques, enquanto passeia pela montagem da sua exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, às vésperas da abertura para o público.
Lira fala de maneira geral, mas também em referência a ela própria. Natural de Araçuaí, pequena cidade no interior de Minas Gerais, no judiado Vale do Jequitinhonha, a pintora e escultura inaugura neste sábado (2) a sua primeira exposição institucional, que é também a maior de sua carreira. Aos 78 anos, com tranças nos longos cabelos e as unhas das mãos e dos pés pintadas de lilás, ela diz se sentir muito feliz.
Em três salas no piso inferior do Tomie Ohtake, o visitante vê um apanhado de toda a sua obra. São dezenas de pinturas feitas com terra —o que dá aos quadros um aspecto rugoso, tátil—, pequenas esculturas macabras, máscaras com feições africanas tristes e pedras estampadas com o que chama de “meus bichos do sertão”.
“Eu não quero mostrar esses bichos que a gente vê na terra. Eles estão na minha imaginação”, ela afirma, tentando definir os bípedes e quadrúpedes de estética rupestre que habitam suas telas. Embora os animais lembrem, por exemplo, uma ema, uma galinha ou um bode, eles não têm paralelo na realidade.
O sertão de Lira está, literalmente, em seus quadros. Ela mistura diferentes tipos de terra de sua região a água e cola para fazer as tintas que usa para pintar, obtendo tons de ocre, marrom, laranja e preto com os quais faz a base de suas telas ou mesmo as formas dos bichos. Estão expostas pinturas dos anos 1990 até 2023.
Sem educação formal em arte, Lira começou a pintar há mais ou menos três décadas, depois de ter uma tendinite grave que a forçou a abandonar a produção de esculturas em barro. Ela conta ter sido estimulada a trocar um meio de expressão por outro por frei Chico, um padre holandês que virou seu grande amigo e parceiro profissional —ele dizia para ela criar seus próprios desenhos sem se censurar.
Na última sala da exposição, o visitante descobre uma faceta da artista que até agora não tinha sido exposta —a de pesquisadora que quer manter viva a memória do povo do Vale do Jequitinhonha. Junto com frei Chico, ela se dedicou por anos a registrar, em 250 fitas cassete, os cantos dos moradores de uma das regiões com os piores indicadores sociais do Brasil.
São versos de trabalho de tropeiros, boiadeiros e canoeiros, músicas religiosas, cantigas de roda e de pedir esmola, algumas das quais podem ser ouvidas em fones de ouvido. Há também reproduções das transcrições dos cantos, também feitas por Lira, num extenso trabalho de documentação de tradições que podem desaparecer.
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Fonte: Uol