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Você provavelmente já escutou que a feijoada brasileira foi criada por trabalhadores escravizados, com os restos de carne que a casa-grande lhes destinava: orelha, rabo e pé de porco.
Balela. Papo furado. Invenção sem pé (de porco?) nem cabeça. Os ricos daqueles tempos só comiam lombinho fresco no dia do abate do animal. As carnes restantes eram salgadas e defumadas para consumo futuro, e aí se incluíam as partes que hoje consideram-se inferiores.
Não sobrava carne alguma para os escravos, essa é a verdade.
Há décadas que ouço e leio a refutação dessa lenda da feijoada, mas ela subsiste. Volta e meia aparece um chef de cozinha ou comunicador propagando fake news sobre nosso prato nacional.
Por essas e outras, cai muito bem a iniciativa de três historiadores que se dedicaram a pesquisar seriamente a origem de pratos famosos: o projeto Comer História, objeto de reportagem da Folha na última terça-feira (26).
Tirar informação da própria orelha –o orifício permitido nesta leitura familiar– rende histórias fabulosas, bem mais empolgantes do que a realidade.
Esta, por sua vez, tem nuances que dificultam a construção de uma historinha palatável. Também é cheia de lacunas que impedem a montagem completa do quadro. Faltam muitas peças do quebra-cabeça.
Se reconstituir a sequência de fatos de uma guerra fartamente documentada já é dificílimo, imagine descobrir o que se passava nas cozinhas habitadas por gente analfabeta.
A culinária sempre foi transmitida pela tradição oral, cheia de superstições e idiossincrasias e dogmas que ninguém ousava contestar.
Por exemplo, havia (há) uma crença mais ou menos generalizada de que grelhar um bife em temperatura muito alta “sela” a carne. Ou seja, cria uma espécie de casca que impede a perda de umidade.
Totalmente falso, e nem é preciso estudar física para verificar. A carne diminui, perde peso, e quase todo o peso perdido é de água (que você consegue ver evaporando na chapa).
É desalentador que tais mitos sobrevivam em pleno 2024, quando o acesso ao conhecimento já se tornou corriqueiro.
Cozinheiros ainda sobrevalorizam o aprendizado empírico e os ensinamentos de seus mentores, que aprenderam com mentores mais velhos. Tá certo, é assim que se perpetua um ofício, mas dá para aperfeiçoar um pouco o esquema.
E assim você liga a TV e vê um chef famoso aconselhando a misturar azeite à manteiga para não a deixar queimar.
É algo que foi repassado de geração em geração, desde sempre, apesar de nunca ter funcionado (os sólidos da manteiga se degradam no calor extremo, com azeite ou sem azeite).
De volta à história da feijoada, é o tipo de coisa que surge na orelhada, numa mistura de sofisma com chute puro e simples.
Hoje em dia rabo de porco é comida de pobre, coisa que dá nojinho em gente rica. A gente preenche as lacunas da história com a imaginação e conclui que a feijoada nasceu na senzala.
Não interessa que em Portugal (por acaso, o país que colonizou o Brasil) haja um prato muito tradicional de feijões cozidos com carne de porco (por acaso, ele se chama feijoada).
Só muda a cor do feijão.
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Fonte: Folha de São Paulo