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De vez em quando, a Cinemateca Brasileira se empenha em alguma mostra realmente forte. No crepúsculo de fevereiro, temos a mostra “O Mundo Fantástico da Tchéquia”, começa nesta quinta-feira (29) e segue até 10 de março.
São curtas e longas fantásticos da antiga Tchecoslováquia, em animação ou live action, realizados entre os anos 1930 e os anos 1980. A curadoria é de Leonardo Bomfim, originalmente para a Cinemateca Capitólio, de Porto Alegre.
O cinema tcheco sempre foi marcado por uma tendência ao fantástico, que se acentuou com o fortalecimento gradual da indústria cinematográfica do país, primeiro com a criação dos estúdios Barrandov, de Praga, em 1931, depois com o surgimento da prestigiosa escola de cinema FAMU, em 1946, e do Festival de Karlovy Vary, em 1948.
Os anos 1950 ficaram marcados por muitos filmes impactantes, que abriram o caminho, na década seguinte, para a geração da nouvelle vague tcheca, de Vera Chytilová e Milos Forman.
Dois grandes filmes, realizados por diretores que fizeram parte desse movimento, estão entre os imperdíveis da mostra: “A Pomba Branca”, de Frantisek Vlácil, de 1960, obra-prima da concisão e da poesia, e “Caso para um Carrasco Novato”, de Pavel Juracek, 1969, mais um passeio do diretor pelo absurdo da condição humana.
No primeiro caso, temos uma antecipação da nouvelle vague tcheca por um dos maiores diretores do país, acompanhando a curiosa amizade de um menino que resgata um pombo-correio que caiu em Praga. Mas a história importa menos que a composição do seus belos planos em preto e branco.
No segundo, um diretor, Juracek, que não aceitou as condições do regime e foi forçado ao ostracismo logo depois deste filme —repleto de alusões absurdas à censura e regimes autoritários—, quando o fim da Primavera de Praga começou a incidir com maior força nas produções de cinema.
Já Jiri Weiss começou nos anos 1930, foi um diretor importante no pós-guerra, fez a ponte com a geração da nouvelle vague e realizou o incrível “A Planta Dourada”, em 1963, ano que costuma ser considerado o marco inicial do movimento com sua trama sobre uma misteriosa planta que vira uma garota.
O longa mais antigo na programação é “A Doença Branca”, de Hugo Haas. Filmado em 1937, fica fácil perceber para qual perigo o filme alerta. O fantástico entra também na forma como o país fictício da trama remete à Alemanha da época. Há um diálogo com o mundo de 2024, quando quem pede paz é massacrado porque todos ao redor querem guerra.
O mais recente é “A Casa Maldita dos Hajn”, assinado por Jiri Svoboda e lançado em 1989. Mais curioso do que realmente bom, é de uma fase estranha do cinema tcheco, em que os melhores filmes eram os que estavam banidos desde o final dos anos 1960, lançados com cerca de 20 anos de atraso graças ao relaxamento do regime e a posterior Revolução de Veludo de 1989.
Não é o caso de “O Chalé do Lobo”, 1987, de Vera Chytilová. A diretora foi uma das maiores do país até os anos 1970, tornando-se irregular a partir de então. Este filme surpreende pelo estranhamento, mas cansa pela falta de solidez no estilo. Tem, contudo, admiradores de respeito.
Nos anos 1970, alguns diretores tchecos começaram a fazer filmes mais enigmáticos para escapar da censura do regime socialista. Dentro dessa estratégia, apelavam para os retratos de um passado distante ou para a fantasia, pois qualquer investida em realismo era vigiada pelo governo.
Alguns desses filmes são injustamente esquecidos, como o belíssimo “A Bela e a Fera”, 1978, melhor trabalho de Juraj Herz, diretor eslovaco que filmava em Praga. Essa espantosa versão do clássico conto de fadas lembra, em poesia e beleza, a fase setentista do argentino Leonardo Favio.
Outro belo filme tcheco dos anos 1970 é o subestimado “A Pequena Ninfa do Mar”, 1976, de Karel Kachyna, musical em sintonia formal com o cinema soviético da época, realizado pelo cineasta que ganhou celebridade no meio cinéfilo com “A Carroça”, de 1966.
Ainda nos anos 1970, “Os Magníficos Homens da Manivela”, de 1979, é uma bela homenagem aos pioneiros do cinema, ainda que seu diretor Jiri Menzel, famoso por “Trens Estritamente Vigiados”, de 1966, carregue demais no sentimentalismo.
O cinema zombeteiro de Oldrich Lipsky não é para todos os gostos, mas quem embarca em seus filmes não pode perder “Eu Matei Einstein, Cavalheiros”, comédia de ficção científica de 1970. É um tipo de humor como só se fazia na Tchecoslováquia. E Lipsky capricha no visual de seus filmes, o que garante ao menos um tipo de maravilhamento.
Também no campo da ficção científica, “Viagem ao Fim do Universo” é um filme de 1963, de Jindrich Polák, que se tornou famoso como referência para “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick. Ver o filme tem essa curiosidade, além da demonstração evidente de que existe autoria em cinema.
Outra ficção científica, desta vez apocalíptica, é “Final de Agosto no Hotel Ozone”, 1967, de Jan Schmidt, diretor menos celebrado da nouvelle vague tcheca, com roteiro do ótimo Pavel Juracek, sobre um grupo de mulheres em busca de outros sobreviventes a um colapso. Curiosamente, é um filme esquecido, que vale ser recuperado.
No lado do humor, o espectador não irá se arrepender se escolher a comédia clássica “O Imperador e o Golem”, 1952, de Martin Fric. Quando menos se espera, o veterano diretor nos surpreende com algum movimento que quebra a encenação teatral. E o boneco que representa o Golem é um achado de economia e graça.
Uma faceta muito celebrada do cinema tcheco é o da animação, com pelo menos quatro grandes diretores: o mais conhecido Jan Svankmajer, o respeitado Jiri Trnka, a injustiçada e pioneira Hermína Tyrlová e o genial Karel Zeman.
Este último tem como obra-prima “O Barão Fanfarrão”, presente na mostra, em que animação e live action se fundem num efeito de incrível beleza. Os filmes de Zeman costumam ser plasticamente muito ricos, mas neste longa de 1962 ele se superou.
Tyrlová tem uma sessão de curtas em que se destaca “A Revolta dos Brinquedos”, de 1947. Svankmajer, conhecido pelo stop-motion surrealista com toda sorte de materiais, terá também uma sessão de curtas só para ele, com destaque para “O Apartamento”, de 1968.
Jiri Trnka, mestre da animação com bonecos, teve longas bem celebrados na carreira, dos quais a mostra exibe “Velhas Lendas Tchecas”, de 1953. Exibe também seu curta-metragem, “Mão”, de 1965.
Completam a mostra alguns curtas infanto-juvenis e longas menos conhecidos, mas não desprovidos de interesse, como a comédia musical com trilha do músico de jazz progressivo Jan Hammer, “A Princesa Terrivelmente Triste”, 1968, de Borivoj Zeman; e “Três Avelãs para Cinderela”, 1973, de Václav Vorlicek.
A riqueza da filmografia tcheca não se esgota aqui. Ela possibilita a realização de uma mostra destas por ano.
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Fonte: Uol