[ad_1]
Acompanhar por duas horas a rotina de um senhor responsável por limpar os banheiros públicos de Tóquio não é, exatamente, uma premissa muito animadora. Mas Wim Wenders sempre teve um gosto pelo excepcional, o desconhecido, por aquilo que está distante dos olhos do resto do cinema.
Aos 78 anos, o cineasta alemão levou ao último Festival de Cannes o longa “Dias Perfeitos”, que apesar da monotonia e sobriedade conquistou uma imensidão de elogios e, agora, chega enfim aos cinemas brasileiros, ostentando uma indicação ao Oscar de filme internacional –para o Japão, seu principal produtor.
Com pelo menos um projeto na direção por ano desde 2014 –foram 18 nesta última década, entre ficções, documentários, curtas, séries e especiais–, Wenders conta que escolhe os temas sobre os quais vai se debruçar por acaso, conforme fatos e personagens curiosos entram em sua vida.
“Eu não penso nas histórias que tenho dentro de mim, mas fico atento àquelas que se apresentam a mim”, diz ele em conversa por vídeo. “Meus filmes se formam a partir dos lugares [que visito]. Meus personagens são o resultado de uma equação entre história e lugar, eles vêm da vontade de contar histórias que só poderiam acontecer em determinado local.”
Uma resposta digna para um cineasta que já filmou assuntos tão díspares e sempre arraigados ao contexto em que se desenrolam, dos dramas “Asas do Desejo” e “Paris, Texas” aos documentários “Pina” e “O Sal da Terra”, sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch e o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, respectivamente.
“Dias Perfeitos”, por sua vez, surgiu primeiro como fruto de seu amor por Tóquio, cidade que diz ser uma de suas favoritas e que já enquadrou em “Tokyo-Ga”, de 1985. Segundo, pela admiração por Yasujiro Ozu, um dos mestres do cinema japonês, responsável por baluartes como “Era Uma Vez em Tóquio”, homenageado aqui ao emprestar o nome de sua família protagonista ao personagem central do novo longa.
E terceiro, romantismo à parte, de um convite de um empresário japonês que o queria dirigindo uma série de curtas sobre a mundialmente reconhecida cultura de banheiros nipônica, com suas latrinas tecnológicas, capazes de espirrar água em várias direções e aquecer as nádegas de seus usuários.
É um assunto sério para os japoneses, que espalharam por Tóquio uma série de 50 banheiros públicos projetados por arquitetos renomados –dois deles, amigos de Wenders–, em preparo às Olimpíadas de 2020, e que passam por manutenção e limpeza minuciosas.
“De fato, a premissa deste filme é incomum, eu jamais pensei que viajaria para conhecer banheiros. Me disseram que se eu me sentisse inspirado, gostariam que eu criasse uma série sobre eles. Eu fui, amei os banheiros, mas senti que podia fazer algo mais original, completo e complexo”, diz Wenders.
Assim nasceu o personagem Hirayama, zelador dos banheiros públicos de Tóquio que leva uma vida monótona e solitária. Todos os dias ele acorda, toma o café, entra em sua van, escolhe uma canção de rock anglófono e então para, de banheiro e banheiro, para desentupir vasos, lustrar porcelanas e trocar rolos de papel higiênico.
Acompanhamos o protagonista e a leveza de seu dia a dia nos detalhes, como num “Jeanne Dielman” de Chantal Akerman, até enfim, lá pela metade do filme, entendermos um pouco mais dos motivos que o levaram a uma vida tão pacata e fora do radar, na qual as únicas companhias são imensas coleções de música, literatura e fotografia.
À frente do personagem está o japonês Koji Yakusho, eleito melhor ator no Festival de Cannes do ano passado. Por 20 minutos a câmera o acompanha em total silêncio, com apenas o esfregão dos banheiros e o motor de sua van como parceiros de sua jornada de trabalho solitária. Uma preocupação para Wenders, conta ele, que sabia que seria difícil bancar um filme em que nada acontece por boa parte do tempo.
Ao mostrar uma primeira versão, ainda bruta, para um grupo de amigos, no entanto, o alemão percebeu o poder que Hirayama tinha de se conectar com o público –ele vive o momento presente, e isso desperta algo dentro de todos nós, acredita.
Com esse tom contemplativo, e a partir de um personagem que olha tanto para o seu interior, Wenders diz ter conseguido, com “Dias Perfeitos”, fazer o filme que mais conseguiu, ao longo de sua carreira, transmitir uma sensação de paz. É um objetivo seu, ele sempre disse, filme atrás de filme.
Ao ser questionado sobre o poder de uma trama e de um personagem como esses num momento em que duas guerras concentram a atenção do mundo –uma na Ucrânia e outra em Gaza–, Wenders é direto.
“Eu não acho que o cinema tem o poder de mudar o mundo, mas ele pode mudar a nossa percepção de mundo. E eu sinto que chegamos num momento em que precisamos ver o mundo de forma diferente. Não sei o que podemos fazer sobre essas guerras, e eu nunca acreditei em filmes explicitamente políticos, mas acho que seria interessante o cinema tomar para si a missão de nos mostrar um mundo mais pacífico e amoroso.”
[ad_2]
Fonte: Uol