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Se tópicos ligados à sexualidade e aos papéis de gênero são assuntos calorosos em qualquer sociedade, isso é especialmente pronunciado naquelas que foram colonizadas. Se, por um lado, há quem defenda que categorias de opressão, como o machismo e a homofobia, sempre estiveram presentes não importando a etnia ou nacionalidade, por outro, há um extenso debate acadêmico que posiciona o colonizador como o responsável por introduzir tais violências.
Qualquer que seja o posicionamento, a maioria deve concordar que homossexuais sempre existiram, seja aqui ou acolá. Esses tensionamentos e suas possíveis consequências instauram a trama central de “Sr. Loverman”, de Bernardine Evaristo, que, passado entre o Caribe e a Inglaterra, ultrapassa os clichês de reafirmação identitária.
O romance, lançado originalmente em 2013 e agora publicado no Brasil, intercala duas vozes. De um lado está Barry, septuagenário nascido em Antígua e Barbuda, aposentado pela empresa automobilística Ford e investidor no ramo imobiliário. Ele é casado há 40 anos com uma conterrânea, Carmel, senhora aparentemente reservada e bastante religiosa, que também narra sua versão dos fatos.
A esposa acredita que o marido nunca passou de um mulherengo beberrão, ainda que tenha compensado o defeito ao ser um pai presente para as duas filhas do casal. Ele de fato vive uma vida dupla, sempre tentando preservar uma fachada de homem padrão, mas não é bem esse o seu segredo. Barry na verdade mantém um relacionamento escondido com Morris, amigo da época de infância desde os tempos em que morava na ilha caribenha.
A vida de aparências começa a entrar em crise logo após a aposentadoria de Barry, quando ele passa a ter tempo para compreender o seu maior desejo: envelhecer ao lado do amante. A tomada de consciência, porém, demanda uma coragem que o personagem nunca teve.
Assim, da conversa inicial sobre divórcio com Carmel até a sua decisão definitiva, Barry enfrenta problemas com a primogênita, Donna, e o neto, Daniel, ao mesmo tempo em que reafirma a amizade com Maxine, a filha caçula, uma modelo fashionista que, aos poucos, acolhe o pai homossexual.
É perceptível a diferença do casal desde a linguagem: Barry é capaz de articular seu discurso com um mundo de referências intelectuais e adota uma ironia típica do sujeito pós-colonial, que ri de seu próprio não-lugar no mundo, elementos que contribuem para que ele seja tachado de arrogante.
Carmel, ao contrário, ainda está elaborando seu “self”, ou seja, ainda se ocupa em dizer a si mesma o que é, apresentando uma fala mais imediata e um tanto desorganizada. Acometida por uma depressão pós-parto que a tornou uma crente empedernida, ela também tem um segredo que, assim como o de seu marido, é obstáculo para que ambos sejam felizes.
Estrategicamente, Evaristo constrói um nexo temporal que transita entre passado e presente, evidenciando a relação entre tais pontas da vida e suas continuações. Assim também se revelam fatos histórico-culturais que atravessam a experiência de vida das personagens.
O próprio colonialismo é o fantasma que paira no imaginário de ambos Barry e Carmel. Mesmo depois de velhos, ricos e habitando uma metrópole europeia, eles ainda sentem as amarras dos papéis e das expectativas de seus respectivos gêneros e amargam a angústia de não serem quem, de fato, são.
Destaca-se também a trilha musical da obra, com forte presença da cena caribenha e referências a gêneros como calipso, reggae e dancehall. Este último tem destaque já no título original da obra, “Mr. Loverman”, um clássico do jamaicano Shabba Ranks que embala Barry e Morris em suas noites de amor.
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Fonte: Uol