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Em 1983, Raquel Arnaud foi capturada sorridente numa foto tirada no vão livre do Masp. Naquele ano, a marchand expunha em sua galeria Tunga, Waltercio Caldas e José Resende, que se tornariam mais tarde alguns dos maiores expoentes da arte contemporânea brasileira. À época com menos de dez anos de mercado, já estava claro o tino que ela tinha para mostrar talentos.
Concomitantemente à valorização dos artistas que representava, com o passar do tempo Arnaud firmou seu nome como uma das principais galeristas no voraz mercado da arte. Nesta semana, ela comemorou 50 anos como marchand —sua empresa agora faz parte do pequeníssimo grupo de galerias cinquentenárias, que conta também com a de sua colega de profissão Luisa Strina.
Para celebrar, amigos de Arnaud e a comunidade das artes se reuniram às centenas na abertura da exposição comemorativa dos 50 anos da galeria que leva seu nome, localizada na Vila Madalena, região oeste de São Paulo.
A mostra ocupa dois andares do imóvel e está organizada em ordem cronológica. Nas paredes, uma linha do tempo cita todas as exposições realizadas pela marchand, ano a ano, desde 1974. Há folders e catálogos de época que podem ser manuseados. No espaço expositivo, ficam obras de artistas fundamentais na história de Arnaud, dispostas próximas à sua localização na linha do tempo.
Assim, descobrimos que em 1982 a galeria mostrou um dos bichos de Lygia Clark, a chapa de metal da obra corroída pelo tempo. Os carimbos contra a ditadura de Carmela Gross —reexibidos em 2023 no Instituto de Arte Contemporânea— foram mostrados pela primeira vez por Arnaud em 1978, quando a galeria se chamava Gabinete de Artes Gráficas e negociava obras em papel.
Na escada para o segundo andar, uma tela de Arthur Luiz Piza, o primeiro artista representado pela galerista, e outra de João Trevisan, tema da última exposição da casa, foram colocadas frente a frente, num diálogo entre o passado e o presente.
Por fim, estão também expostos artistas associados ao nome da galerista, como Carlos Cruz-Diez, Willys de Castro, Iole de Freitas e Sergio Camargo, este último representado por um belíssimo jogo de xadrez em mármore. “Sempre mantive a coerência de um mesmo tipo de linguagem: abstração geométrica, arte construtivista e cinética, durante toda a minha trajetória”, afirma Arnaud.
“Acredito que a coerência no meu trabalho ao longo de 50 anos foi fundamental para o desenvolvimento e a consolidação da arte contemporânea brasileira.”
De acordo com Jacopo Crivelli Visconti, organizador da exposição, Arnaud contribuiu muito para a transformação do sistema de arte brasileiro nas últimas cinco décadas. “É quase difícil de mensurar hoje, quando a gente tem várias instituições sólidas, um mercado de galerias e colecionadores muito amplo —tudo isso estava só começando ou nem existia na época em que ela começou a trabalhar como galerista”, ele diz.
Visconti lembra que quando Arnaud se envolveu em seus primeiros negócios —o Gabinete de Artes Gráficas, com Monica Filgueiras, e depois a galeria Arte Global, bancada pela Rede Globo— o mercado de arte primário, que representa artistas diretamente e acompanha o desenvolvimento das carreiras, estava só engatinhando.
Segundo Arnaud, embora existissem algumas poucas galerias em São Paulo, dentre as quais a Arte e Arte e a Collectio, onde ela teve sua primeira experiência de venda por um período de seis meses, o que mais havia na década de 1970 eram leilões.
Natural de Guaratinguetá, pequena cidade no interior de São Paulo onde nasceu em 1935, Arnaud mudou-se para a capital paulista com dez anos. Antes de virar empreendedora, ela conviveu com a família Segall nos anos 1950 e, em seguida, ajudou a organizar exposições internacionais de Lasar Segall.
Em 1968, a convite de Pietro Maria Bardi, foi trabalhar no Masp, o Museu de Arte de São Paulo, que tinha recém-inaugurado sua sede na avenida Paulista. Arnaud conta que fazia de tudo um pouco —ajudou a implantar o teatro, a levantar recursos para o museu, e também colaborou na mostra “A Mão do Povo Brasileiro”, organizada por Lina Bo Bardi.
Em paralelo, Arnaud foi associando seu nome ao escultor de vertente construtiva Sergio Camargo, desde que comprou cinco relevos feitos por ele em 1972. Ela se tornou sua amiga e marchand logo em seguida, uma relação que durou toda a vida do artista e além —a galerista é responsável pelo espólio de Camargo desde a sua morte em 1990.
No subsolo da galeria há um pequeno acervo do escultor que pode ser visitado, embora estas obras não façam parte da mostra dos 50 anos. As peças ali expostas foram resgatadas de uma invasão de cupim no ateliê do artista em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Afora sua galeria, Arnaud criou o Instituto de Arte Contemporânea, em 1997, um centro de guarda de documentos, cadernos de anotações e papeis de artistas, dentre os quais Iole de Freitas, Antonio Dias e Lothar Charoux. O local faz exposições periódicas a partir do acervo de mais de 80 mil itens e também está aberto para pesquisadores.
Com viés institucional e de preservação da memória, o Instituto de Arte Contemporânea nasceu do mercado de arte mas não tem caráter comercial, uma iniciativa rara entre galeristas, em geral, mais ocupados em valorizar a galope as obras dos artistas que representam.
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Fonte: Uol