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Quem passar por uma das ruas laterais do Masp nos próximos meses vai ver um grande cartaz numa das janelas do museu onde se lê “beijar não mata: a ganância e a indiferença, sim”. Embaixo da frase, três casais encostam língua com língua —uma dupla heterossexual, um duo gay e um par de lésbicas.
Já mostrado como outdoor no metrô de Chicago —onde foi vandalizado— e nas laterais dos ônibus de São Francisco —onde foi rasurado de modo que só o casal de lésbicas ficou visível—, o cartaz foi um protesto contra a inação do governo americano frente a epidemia de Aids no final dos anos 1980 e início da década de 1990. Numa época de pouca informação sobre a doença, também servia para educar o público ao mostrar que beijar não transmite HIV.
No Museu de Arte de São Paulo, contudo, a função do painel é outra. Ele está ali para chamar o público para a exposição do coletivo Gran Fury, os autores da peça, um grupo formado em Nova York em 1988 que usava da comunicação em espaços públicos para divulgar informações sobre o HIV num período em que contrair o vírus equivalia à uma sentença de morte.
Com seus cartazes, camisetas, panfletos xerocados, outdoors e protestos nas ruas, a ideia do coletivo era “criticar o estigma da Aids, a inação do governo e a indiferença pública” em torno da doença, diz Loring McAlpin, um dos fundadores do Gran Fury. O coletivo funcionava como o braço visual do Act Up, uma importante organização que lutou pela dignidade dos doentes de Aids nos Estados Unidos.
O rico material gráfico produzido pelo coletivo em seus sete anos de atuação está agora reunido na galeria de vidro no subsolo do Masp. Não há originais expostos, apenas cópias de exposição. O arquivo do Gran Fury está na Biblioteca Pública de Nova York.
A estética é a da comunicação de massa típica da publicidade, com frases de efeito em fontes de fácil leitura associadas a imagens de rápida compreensão. “Todas as pessoas com Aids são inocentes”, diz um dos cartazes, ilustrado com as cobrinhas símbolo da profissão de médico. “Mulheres não pegam Aids, elas apenas morrem disso”, avisa outro painel.
“Nós éramos criadores de hipérboles, não pesquisadores”, afirma John Lindell, outro dos membros do coletivo, acrescentando que ninguém do grupo havia estudado medicina mas que eles se informavam com quem entendia de Aids.
O que os motivava, segundo Lindell e o outro integrante, era a situação de emergência pública desencadeada pelo HIV em Nova York —que chegou a concentrar 20% dos portadores do vírus nos Estados Unidos— e o fato de que seus amigos e conhecidos estavam morrendo.
Um dos destaques da exposição é a reprodução do trabalho do Gran Fury exposto na Bienal de Veneza de 1990. Para a mostra, considerada a vitrine da arte contemporânea mundial, o grupo colocou a imagem do papa cercada por um texto condenando a posição da Igreja Católica em relação ao sexo. Ao lado disso, havia a foto de um pênis ereto.
Lindell conta que, devido a seu conteúdo, a obra ficou presa na alfândega italiana e custou a ser liberada. Depois, o então diretor da bienal, Giovanni Carandente, cogitou censurar o trabalho por blasfêmia, mas acabou mudando de posição em cima da hora e os cartazes foram, enfim, mostrados ao público.
McAlpin diz que, ao colocar o chefe máximo da Igreja Católica ao lado do órgão masculino ereto, eles esperavam alguma reação. A questão na obra era a imagem do papa. “Os italianos, com seu amor pelo erotismo, não tiveram problemas com o pênis. Se fosse nos Estados Unidos, ele provavelmente teria sido censurado, mas você pode insultar o papa nos EUA.”
A exposição “Gran Fury: Arte Não é o Bastante”, que abre para o público nesta sexta-feira (23), inaugura a programação de 2024 no Masp, dedicada às histórias da população LGBTQIA+. André Mesquita, o organizador da mostra, diz que o coletivo é relevante por borrar as fronteiras entre arte e ativismo político e mostrar que os artistas podem se engajar em movimentos sociais mais amplos.
Além disso, Mesquita destaca a capacidade do Gran Fury de utilizar os códigos da cultura de massa —a exemplo de campanhas publicitárias— e subvertê-los em prol de um movimento social. “O que o Gran Fury coloca é uma provocação. O que a arte pode diante de uma epidemia?”
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Fonte: Uol