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Altas e esguias, em looks pretos e brancos, as modelos da última coleção de outono-inverno da Dior não poderiam contrastar mais com o monstro colorido que flutuava sobre suas cabeças no desfile em Paris. O bicho de formas redondas e avantajadas, todo coberto de tecido, plumas e paetês, podia engolir todas elas numa mordida.
Joana Vasconcelos, a artista portuguesa que criou o trabalho, estava mesmo pensando nesse contraste absoluto quando encarou o desafio de estruturar a passarela da grife francesa. Decidiu levar ao desfile uma de suas “Valquírias”, como chama a série de megaesculturas que vem fazendo pelo mundo nos últimos anos.
O nome remete à lenda das deusas nórdicas que voavam pelo céu com escudos brilhantes em busca de guerreiros a serem socorridos no campo de batalha, célebres pela cavalgada da ópera de Wagner.
“Você não pode imaginar essas deusas muito magras e altas, porque a presença física é parte do ser humano. Tornar as mulheres muito lineares e frágeis, esguias, é tirar o poder delas”, afirma a artista, em entrevista debaixo de sua escultura “Valkyrie Miss Dior”, montada no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. “E a moda fez isso. Elas não eram magras. Eram largas e fortes. Essa peça tem uma fisicalidade muito própria.”
Ela fala com a propriedade de quem trabalha na escala dos excessos. Um dos nomes mais celebrados da arte contemporânea, com milhares de fãs e talvez um número equivalente de detratores, Vasconcelos é uma herdeira do barroco, que ela frisa ser uma palavra portuguesa, e mostra isso em trabalhos extravagantes, que mal cabem numa galeria de museu.
“Extravagâncias”, aliás, é o nome da mostra da artista agora no país. O único lugar do espaço desenhado por Niemeyer que podia acomodar a estrela da exposição era sua galeria mais nobre, o famoso olho construído em cima da torre do museu, arregalado para ver toda a cidade. “Peças emblemáticas precisam de espaços emblemáticos”, ela diz, sem traço de modéstia.
O impacto acachapante de suas “Valquírias”, já mostradas em espaços de prestígio da arte como o Guggenheim de Bilbao, na Espanha, e o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, onde ela tem uma retrospectiva em cartaz até abril, além de palácios, lojas de departamento e até cassinos pelo mundo todo, também se alicerça em truques visuais, puro artifício —por mais pesadas e maciças que pareçam, as esculturas da artista são grandes objetos infláveis cobertos de tecido, prontos para flutuar.
“Essas peças são leves, mas dão a sensação de força. E força não tem a ver com peso, mas com presença. É o que se projeta sobre as formas”, diz a artista. “Essas peças têm uma presença, mas pelo lado de outra dimensão. É a tensão que traz a ideia de peso, é uma viagem.”
É nesse sentido que a artista diz ser uma amiga do Carnaval, pronta para construir os carros alegóricos dos desfiles.
Eles são veículos para o que ela chama de outra dimensão só atingida na arte pelo jogo extremo de contrastes que marca o movimento barroco e informa toda a sua obra.
Um ponto em comum, além da escala exagerada, atravessa seu trabalho. A mulher, sobretudo seu corpo, violentado ou celebrado, está na raiz de quase todas as construções, das mais políticas às mais espalhafatosas, com brilho e humor.
Essas duas pontas do espectro parecem se encontrar num trabalho que realizou na virada do milênio. “Strangers in the Night” é uma espécie de gaiola sobre rodas, sua estrutura metálica coberta de faróis de carros e bicicletas e outros adereços luminosos, tal qual uma árvore de Natal às avessas, abrutalhada.
Mas o brilho não é feliz ali. É sinal de alerta. Vasconcelos aproximou a balada romântica de Frank Sinatra à realidade dura das prostitutas no asfalto. Os desconhecidos trocando olhares na escuridão seriam a mulher que vende o corpo e seu freguês, e o carrinho construído pela artista é uma área de espera acolhedora à beira da rodovia. “É um espaço para elas existirem”, diz. “Um ‘peep show’ em versão artística.”
Do amor improvável que nasce na escuridão, Vasconcelos passou a construir outras alegorias sobre a vida da mulher. Fez um enorme lustre de absorventes e cabos de aço e chamou de “A Noiva”. Usando aros das rodas de carros de luxo pintados de dourado e uma pirâmide enorme de copos de uísque, fez “Solitário”, um gigantesco anel de noivado agora à beira do Tejo, em Lisboa. Por fim, construiu um prédio em formato de bolo de casamento no Reino Unido, onde amantes podem de fato trocar alianças.
Vasconcelos reconhece a ironia dos trabalhos, mas reafirma a “dimensão feminista” da obra. Um trabalho na raiz de sua imensa “Valkyrie Miss Dior” está noutro andar do Museu Oscar Niemeyer, na mostra organizada pelo francês Marc Pottier. É uma peça de tecido presa à parede por ganchos afiados, como um pedaço de carne no açougue, mas a superfície é colorida, o que ela compara a uma mandala ou um alvo, mas o nome não deixa dúvida —”Big Booby” é inglês para algo como tetinha grande.
Esse seio fofo arrancado da mulher e pregado à parede foi o primeiro passo para a construção das “Valquírias”, corpos de farta volumetria com outros peitos, barrigas e coxas suspensos, apêndices que se alastram pelo espaço do museu, invadindo as cavidades e pairando sobre o público como sentinelas multicoloridas.
Joana Vasconcelos constrói catedrais hiperbólicas, às avessas, seus santos e monstros flutuando sobre nós. A anatomia de seus bichos mistura o sagrado e o profano, o apolíneo e o dionisíaco. Ela fala em cornucópias, floreios e adereços, traçando a origem desses volumes aos altares barrocos, a raiz de tudo em seu trabalho. A diferença é que virgens e putas se refestelam em pé de igualdade nesses castelos e corpos transbordantes.
O jornalista viajou a convite da produção
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Fonte: Uol