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Duas produções orientais em exibição no 74º Festival de Cinema de Berlim colocam à prova a boa vontade do espectador, assim como parecem fazer parte de um imaginário movimento cinematográfico de filmes sobre os quais é impossível dar spoilers.
Spoiler é a versão em inglês para nosso estraga-prazeres, que é contar o fim do filme às pessoas que estão na fila aguardando a próxima sessão. Coisas como “o tubarão morre no final” ou “os Vingadores acabam por derrotar o vilão Thanos”.
Mas “A Traveler’s Need”, do sul-coreano Hong Sang-soo, e “Abiding Nowhere”, do malaio Tsai Ming-liang, não permitem que isso aconteça, por mais espírito de porco que alguém tente ser.
A razão, muito simples, é porque não acontece absolutamente nada nesses filmes. Do jeito que começam, terminam, e surpresas de roteiro é algo que não fazem parte da linguagem desses cineastas.
Ambos, no entanto, são muito amados pelos cinéfilos apreciadores do cinema oriental, aquele estilo que explicita uma paz interior, uma sabedoria milenar, em evidente contraste com o mundo ocidental, sempre corrido e perdido.
“A Traveler’s Need”, ou a necessidade de um viajante, traz nada menos que Isabelle Huppert em um passeio por alguma cidade da Coreia do Sul. Sua personagem é uma estrangeira que dá aulas de francês para sobreviver, enquanto mora de favor na casa de um recém-conhecido.
É a terceira colaboração entre Huppert e Sang-soo, que já rodou com ela “A Visitante Francesa” e “A Câmera de Claire”.
Rodado em apenas nove dias, o filme tem 90 minutos e algo como três partes, que são repetecos umas das outras. A primeira e a segunda, por exemplo, têm Huppert explicando seu método de aula e as alunas respondem, para depois tocarem um instrumento —piano na primeira, violão na outra. Então conversam mais.
Os diálogos das duas cenas são idênticos. Tudo que é falado pelas pessoas no começo é repetido meia hora depois com outros atores. A terceira parte, que se passa na residência onde a francesa está ficando, é uma outra variação das mesmas falas.
Hong Sang-soo, na realidade, é um mestre na apresentação dos encontros e desencontros da vida, mas isso é para quem sabe ver, como o crítico desta Folha, Inácio Araújo e muitos outros fãs de sua arte delicada.
“Abiding Nowhere”, ou não permanecendo em lugar nenhum, é ainda mais enigmático. A produção de Taiwan e Estados Unidos tem 71 minutos e nenhum diálogo. Nem sequer uma música. Minto, uma música termina o filme. E é isso.
O resto é som ambiente da cidade de Washington, onde dois personagens se alternam na tela. Um é um rapaz de preto que entra numa construção e observa o local. Passa por um museu. Então cozinha um miojo. Em tempo real. Aí come o miojo. Em tempo real.
O outro personagem é um monge vestido com uma bata ou lençol vermelho que anda em câmera lenta. Não se trata de recurso cinematográfico, filmado em mais quadros por segundo para depois ser exibido na velocidade padrão.
Não, o monge anda como se estivesse em câmera lenta, fingindo estar nessa velocidade, como as crianças fazem, por exemplo, quando brincam de ser estátuas. Dessa forma, ele passa por uma dúzia de locais, e nós ficamos assistindo à figura atravessar a tela durante vários minutos a cada vez.
Esse personagem do monge em câmera lenta não é novo. É parte de um projeto de Tsai Ming-liang, que o acompanha em uma série de filmes recentes, sempre em câmera lenta, a exemplo de “Walker”, de 2012, e “Jornada ao Oeste”, de 2014. O diretor também executa filmes mais convencionais, como “O Sabor da Melancia”, um musical erótico de 2005.
Nesta terça (20), a Berlinale também homenageou o cineasta americano Martin Scorsese, que veio à capital alemã receber um Urso de Ouro Honorário pelo conjunto de sua obra e por seu trabalho com o patrimônio histórico do cinema. Por meio da Film Foundation, ele apoia a restauração e distribuição de filmes clássicos.
Antes da cerimônia, Scorsese falou à imprensa internacional discorrendo sobre seus filmes preferidos, principalmente os da infância. Lembrou “A Canção da Estrada” (1955), do indiano Satyajit Ray, “O Rio Sagrado” (1951), do francês Jean Renoir e “Cinzas e Diamantes” (1958), do polonês Andrzej Wajda.
Citou os cineastas japoneses Kenzi Mizoguchi e Akira Kurosawa e, da nova geração, falou de “Vidas Passadas”, de 2023, da coreana Céline Song.
Após a entrega do prêmio, foi exibido “Os Infiltrados”. Uma escolha discutível, porque, apesar de a produção ter vencido quatro Oscar em 2007 —filme, diretor, roteiro adaptado e edição—, não se trata de um Scorsese 100%. Isso porque é uma refilmagem de “Conflitos Internos” (2002), sucesso de Hong Kong que ganhou duas continuações.
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Fonte: Uol