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Antes de levar o filho à escola, preparei para nós dois um almoço bem brasileiro: picadinho, arroz, feijão, ovo frito e farofa de cebola.
Eu só tinha a farofa feita. O feijão, elemento mais demorado, deixei de molho na noite anterior. Começou a cozinhar às 10h, depois de voltarmos de uma consulta do fedelho.
O rango ficou pronto ao meio-dia em ponto. Comemos e saímos para a escola.
Foram três parágrafos para dizer que o preparo do almoço me tomou a manhã inteira. Tudo bem que cozinhei feijão suficiente para alimentar uma tropa –e que será guardado para refeições futuras, já sem o encanto do feijãozinho fresco preparado na hora.
A questão é: se eu tivesse tarefas urgentes e inadiáveis, precisaria desencanar das panelas e recorrer a um restaurante. Ou a algum serviço de entrega de comida.
Trago o assunto ainda na repercussão da entrevista de Fabricio Bloisi, CEO do iFood, à Folha. O executivo afirmou que, daqui a dez anos, o preço do delivery será tão atraente que as pessoas deixarão de cozinhar as próprias refeições.
A matéria gerou um baita bafafá, de gente a acusando o iFood de querer exterminar a culinária caseira e o CEO retrucando com “veja bem”, “fui mal compreendido” e “quem me conhece sabe”.
A despeito dos planos megalômanos do iFood, a aniquilação da comida caseira não desponta no horizonte mais longínquo. Em compensação, não dá para negar o declínio da alimentação preparada em casa.
Não é algo recente e, quanto mais rico o país, mais acentuada a tendência.
No caso específico do Brasil, nossa cultura alimentar dificulta ainda mais a manutenção de hábitos tradicionais. Só um demente como eu vai se botar a cozinhar feijão numa manhã de um dia útil qualquer.
Uma refeição típica brasileira é composta por quatro, cinco, seis comidas diferentes servidas juntas no mesmo prato. Bem diferente da Itália, por exemplo, onde um macarrão mata a bola no peito sozinho.
Devemos à herança colonial escravista o fato de comermos arroz, feijão, mistura, ovo, farofa, fritas e salada como se aparecessem por mágica.
Uma refeição com tantos elementos, feita todos os dias em casa, demanda pelo menos uma pessoa –que via de regra é uma mulher– trabalhando de graça ou com remuneração pífia na cozinha.
Em português mais claro, uma dona de casa ou uma empregada doméstica.
A comida caseira não vai acabar, mas suspeito que o arroz com feijão já esteja em vias de extinção nos domicílios brasileiros. A refeição típica brasileira, variada, colorida e nutritiva, é incompatível com os modos do século 21.
Às mudanças estruturais na sociedade –na classe média, mães e pais trabalham fora, mas já não têm cacife para empregar domésticas quase cativas–, soma-se a pressão do dinheiro grosso para plantar soja onde antes havia feijão.
Há menos feijão para comer, e ele se encontra principalmente nos restaurantes por quilo e botecos.
Quanto à libertação das cozinheiras, fossem empregadas ou donas de casa, não parece haver muito a celebrar.
A exploração do trabalho apenas se transformou. As antigas cozinheiras estão subempregadas em outros setores, se alimentam de salgadinhos e miojo e dão a mesma dieta aos filhos. Os maridos passam a vida zunindo em duas rodas.
A servidão agora recai em quem passa o dia na moto, no trânsito infernal, indo de um lado ao outro da cidade com mercadorias dos outros.
Comida, inclusive.
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Fonte: Folha de São Paulo