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No fim da década de 1980, fotos em preto e branco da Serra Pelada, no sudoeste do Pará, mostraram um verdadeiro formigueiro humano. Pessoas de todo o país se amontoavam nos limites do terreno irregular, rico em metais preciosos, na mina a céu aberto.
Com contrastes dramáticos, as fotos de Sebastião Salgado chocaram e emocionaram, mais uma vez, o mundo. Considerado um dos principais nomes do fotojornalismo ao lado de figuras como Robert Capa, Eugene Smith, Margaret Bourke-White e Henri Cartier-Bresson, Salgado documentou, desde 1973, guerras, revoluções e crises humanitárias por 130 países.
Agora que acaba de completar 80 anos, ele decidiu que irá sair de campo para, daqui em diante, se dedicar à edição de seu acervo, que contabiliza mais de 500 mil fotografias. Mas afirma, em conversa por telefone, que “fotógrafo não se aposenta.”
“Eu acabei de fazer 80 anos. Meus projetos fotográficos levam de seis a oito anos para serem completados. Se eu começar um grande projeto agora, talvez eu morra antes de terminar”, diz. “Quando se fala em aposentadoria, se imagina um velhinho de bengala, sentado no banco. Mas não vou deixar de fotografar. Nenhum fotógrafo para, porque é uma forma de vida.”
Neste ano em que Salgado recebe o prêmio Sony, um dos mais conceituados da fotografia global, ele prepara várias mostras, entre elas uma exposição sobre as fábricas soviéticas —segundo ele, um paraíso para os trabalhadores—, no Museu Wende, em Los Angeles, e outra no Brasil.
Por aqui, Salgado abre, em maio, uma exposição inédita no Museu da Imagem e do Som, com fotografias feitas em Portugal, Moçambique e Angola, então colônias, durante a Revolução dos Cravos —movimento que pôs fim aos 41 anos de ditadura salazarista e ao colonialismo português.
Os cliques foram feitos no início de sua carreira, pouco após Salgado descobrir sua paixão pela fotografia ao pegar emprestado uma câmera Leica de sua mulher, a pianista e arquiteta Lélia Wanick, com quem é casado há 60 anos. Hoje ela administra o seu estúdio, em Paris.
“Eram guerrilhas fortes”, lembra, sobre os revolucionários que combatiam os soldados portugueses na África. “Minas [terrestres] assassinavam uma grande quantidade de jovens. Muitos perdiam as pernas”. Em uma das explosões, o veículo em que Salgado estava foi atingido, em Moçambique.
Em 1974, jovens oficiais do exército português lideraram a revolução que depôs o regime de António Salazar. Quando soube do levante, Salgado, que havia se exilado em Paris com a mulher —que ele chama, carinhosamente, de Lelinha— durante a ditadura militar brasileira, decidiu ir para Lisboa.
“Nós tínhamos um Renault 4, que era o menor carro da marca. Velhinho, compramos ele com mais de 200 mil quilômetros”. Foi com o automóvel que ele, Lelinha e Juliano, seu filho então com três meses, dirigiram rumo a Portugal.
“Vivíamos uma ditadura horrível no Brasil, e a identificação com Portugal sempre existiu. Ver a revolução no país era o máximo para nós. Eles eram um povo triste, de cabeça baixa, esmagados por uma ditadura de 50 anos. Eu vi o país todo despertar depois da anestesia fascista.”
Com o impacto das fotos, ele entrou para a agência Sigma, uma das mais conceituadas no meio fotográfico, e embarcou para Moçambique. Depois, passaria ainda para a agência Gama, antes de entrar na Magnum, que já agrupou os maiores nomes do fotojornalismo mundial.
Na época, criou outras séries importantes que consolidariam seu reconhecimento pelo mundo, como “Êxodus”, em que documentou, por seis anos, os fluxos migratórios em 35 países.
Foi na década de 1990, após sair da Magnum para fundar um estúdio próprio, que iniciaram as críticas. O uso da luz para conferir sensações às cenas cruas, unido ao branco e preto que se tornaria sua marca, o levaram a ser acusado de estetizar a miséria.
“Não era isso que eu fazia. Eu estava fotografando um lado do mundo. Eu nasci em um país subdesenvolvido, em vias de desenvolvimento até hoje, e mostrei a beleza e a dignidade das pessoas”, afirma.
Ele cita Richard Avedon, americano que, apesar dos jogos de luz, nunca foi repreendido. “Quando você está em evidência, você é criticado. Mas eu nunca liguei muito para isso, nunca fotografei com complexo de culpa.”
Com as séries “Gênesis”, de 2013, e “Amazônia”, de 2021, Salgado se voltou para a natureza e os povos nativos. Sempre ao lado de Lelinha, ele também vem se dedicando, nos últimos 25 anos, a iniciativas de reconstrução e preservação ambiental através do Instituto Terra.
Ele anuncia que participará da COP30, sediada em Belém, no Pará, onde irá expor fotografias feitas na Amazônia. “É um momento forte para apresentar esse trabalho. Precisamos lutar para preservar se ainda quisermos existir como espécie. Caso contrário, vamos desaparecer”, diz.
O fim de suas séries fotográficas, que colocaram em foco povos e regiões por vezes ignorados, não é um lamento. Editar, ele explica, é reviver. “A cada fotografia que eu edito, eu lembro a velocidade [da câmera] com a qual trabalhei, a abertura do diafragma, lembro dos cheiros que senti naquele momento, as emoções que eu tive”, diz. “Estou vivendo uma segunda vez as minhas fotografias.”
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Fonte: Uol