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Perto do início de uma das festas de Carnaval mais famosas do Brasil, a praça de Olinda já estava lotada de milhares de foliões. Todos estavam aguardando seu ídolo.
Pouco antes das 21h, as portas de um salão de dança se abriram, uma banda abriu caminho pela multidão e a estrela que todos esperavam apareceu: um boneco de 3,6 metros de altura de John Travolta.
Confetes foram lançados, a banda começou a tocar uma música cativante e a multidão cantou junto: “O John Travolta é bem legal, fazendo uma grande festa em Olinda, o melhor Carnaval.”
O gigante John Travolta, encaixado na cabeça de um manipulador de bonecos, liderou então o desfile pelas ruas de paralelepípedos.
O “boneco”, como tais gigantes são conhecidos no Brasil, usava um suéter e terno reluzentes da era disco, com um topete preto, à la John Travolta em “Embalos de Sábado à Noite”. Completando 45 anos este ano, o boneco tem praticamente a mesma idade que o filme.
Mas e sua semelhança com o verdadeiro Travolta? “Não se parece nada com ele,” diz o homem que fez o boneco há mais de quatro décadas, Silvio Botelho, 65 anos, em sua oficina à sombra de uma mangueira. O rosto de argila e papel machê se transformou ao longo do tempo, deixando os olhos um pouco desalinhados. “A umidade tomou conta,” ele disse. “Tudo está deformado.”
Botelho pediu para refazê-lo, mas a família que possui o boneco diz que eles —e milhares de seus vizinhos— o amam exatamente como ele é.
“O povo está apaixonado por esse boneco,” disse Eraldo José Gomes, 56 anos, avô que estava entre o grupo de meninos fanáticos por disco que tiveram a ideia de criar um boneco de John Travolta em 1979. “Temos medo de mexer nele.”
O boneco de John Travolta é um dos centenas de gigantes que desfilam por Olinda durante quatro dias todo fevereiro e que se tornaram o cartão de visita do renomado Carnaval da cidade —que termina com as celebrações desta terça-feira, 13— e um espetáculo de como as festividades pré-quaresma no Brasil são muito mais do que apenas o extravagante desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro.
Para os moradores de Olinda, uma cidade com cerca de 350 mil habitantes, os bonecos também servem a um propósito mais profundo. Eles são totens que desempenham um papel cultural e comunitário importante e que, muitas vezes, levam os foliões às lágrimas. O boneco mais antigo de Olinda, o Homem da Meia-Noite, é até considerado um objeto sagrado pelas religiões afro-brasileiras, com instruções religiosas específicas para seu manuseio.
“Cresci com John Travolta. Ele é meu irmão. Ele é o tio dos meus filhos,” disse Valéria dos Santos, 41 anos, sobre o boneco do ator. A empregada doméstica começou a chorar ao explicar como a sua mãe amava aquele boneco, passou anos passando suas roupas e morreu em 2007, no dia de um de seus desfiles pelas ruas.
Os bonecos chegaram pela primeira vez na região em 1919, em uma cidade há sete horas de distância, quando um padre português falou de bonecos semelhantes na Europa usados para celebrações religiosas, disse Jorge Veloso, historiador de Olinda que estuda os bonecos do Brasil.
Em 1932, foliões de Carnaval em Olinda criaram o Homem da Meia-Noite, que por décadas desfilou todos os sábados à meia-noite, um momento transmitido ao vivo pela televisão.
Em 1967, grupos de Carnaval criaram um segundo boneco, a Mulher do Dia, para ser a esposa do Homem da Meia-Noite —houve uma cerimônia de casamento no Carnaval— e depois, em 1974, veio o filho deles, o Menino da Tarde.
Mais tarde, um grupo de sete meninos, fascinados por “Embalos de Sábado à Noite”, persuadiu o Silvio Botelho a criar um boneco de John Travolta. Botelho, que estava apenas começando e conhecia os meninos do bairro, concordou em fazê-lo de graça.
A partir daí, os bonecos se multiplicaram por Olinda. Há figuras folclóricas, personagens fictícios e bonecos baseados em foliões conhecidos. Políticos locais os encomendam para suas campanhas, empresas os fazem para promoções e pessoas os encomendam como presentes.
A maioria deles foram feitos por Botelho, um fabricante de bonecos autodidata que estima ter criado mais de 1.300 bonecos. Ele costumava trabalhar com papel machê e isopor, mas agora molda principalmente em fibra de vidro e epóxi sobre uma escultura de argila, pinta e adiciona cabelo e roupas. “Eu criei uma cultura,” ele disse.
Cerca de 15 anos atrás, a concorrência chegou. Um empresário, Leandro Castro, começou a criar bonecos na metrópole vizinha, Recife, a oitava maior cidade do Brasil. Sua ideia —criar um museu de bonecos— tornou-se um grande sucesso, em grande parte porque ele tinha um bom truque: todos os seus bonecos seriam de figuras famosas.
Embora o empresário seja o rosto do negócio, o segredo de seus bonecos realistas é um escultor pouco conhecido, Antônio Bernardo, que na sexta-feira, 9, estava em seu estúdio sujo a algumas quadras do museu, moldando uma cabeça de argila gigante ao lado de seu cachorro dorminhoco.
Bernardo esculpiu quase todos os 750 bonecos representados por Castro e estava apressado para terminar um novo político para o desfile anual de Carnaval do empresário: Javier Milei, presidente da Argentina.
Bernardo disse que criar sua própria arte o faz sentir realizado, enquanto os bonecos são apenas um trabalho. “Isso não me dá prazer,” ele disse, apontando para a cabeça de Milei. “Eu sou dominado por isso.”
Os magnatas dos bonecos em duelo, Botelho e Castro, se tornaram rivais. Botelho chamou Castro de “pirata”. Já Castro criticou a habilidade artesanal dos bonecos de Botelho, citando John Travolta em particular. O empresário disse que planeja fazer um John Travolta melhor para o próximo ano.
O boneco de John Travolta tem uma aparência não convencional —e um charme inegável.
“É horrível, mas bonito,” disse Maria Helena Alcântara, 30 anos, uma foliã que esperava a chegada do boneco no sábado à noite. “Ele toca nossos corações.”
“Não há muito vínculo com o ator hoje. Agora ele é o John Travolta de Olinda,” disse Diego Gomes, 25 anos, parente dos fundadores do boneco de John Travolta. Ele tinha assistido a “Embalos de Sábado à Noite” pela primeira vez naquela semana. “Foi interessante,” ele disse.
Os fundadores do boneco disseram que tentaram entrar em contato com o verdadeiro Travolta por anos, mas nunca tiveram resposta.
“Ele vai ficar tipo: que insanidade é essa?” previu o Botelho. “Eles estão bêbados?”
No entanto, quando contatado para comentar, Travolta se sentiu diferente.
“Sua música, dança e paixão me enchem de um sentimento de completude!” respondeu o ator por e-mail quando questionado se tinha uma mensagem para os foliões de Olinda. “Estou orgulhoso e honrado de ser o ícone do seu Carnaval! Isso me deixa muito feliz! Amor sempre, John Travolta.”
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Fonte: Uol