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Emplacar um disco novo quando a fase está boa é fácil. No atual momento do americano Kanye West, é difícil até prever se o público vai querer parar para ouvir “Vultures 1”, que ele gravou com ajuda de seu colaborador mais frequente nos últimos tempos, o rapper Ty Dolla $ign, no duo que batizaram como Y$.
Não adianta muito dizer que o novo trabalho, lançado na madrugada do último sábado, tem algumas doses bem encaixadas de trap e alguns momentos inesperados de R&B mais comportado, e até um pouco de ambientação sonora que lembra discos de música gospel. Nem alertar que as letras continuam agressivas, numa obra poética que parece querer ser mais corrosiva a cada lançamento.
Certamente as pessoas querem saber mesmo se ele continua atacando os judeus nos versos, porque “Vultures 1”, preparado como álbum inicial de uma trilogia, é o primeiro que ele apresenta após suas declarações antissemitas que o fizeram perder patrocínios, contratos para shows, campanhas publicitárias e “zilhões” de seguidores nas redes sociais.
Para quem entende de indústria de entretenimento, a opinião unânime é que não existe pecado maior no showbiz americano do que comportamento antissemita. Kanye West, ou Ye, que é o nome que adota atualmente –já teve vários!–, não suspende o fogo em “Vultures”. Não apenas contra judeus, citados em alguns poucos versos. Ele dispara em todos os “abutres”, ou “vultures”, em inglês, que não gostem dele.
Bem, detratores não faltam, mas ainda surpreende que ele, mesmo perdendo um mundo de dinheiro e o apoio de uma grande gravadora, ainda não tenha sucumbido a um cancelamento artístico. Provavelmente, é a magnitude de sua carreira que segura as pontas.
A dezena de álbuns que Kanye West lançou antes de “Vultures 1” forma uma obra poderosa, para muitos a mais relevante do hip-hop americano. Seu disco de 2010, “My Beautiful Dark Twisted Fantasy”, ainda é o grande álbum do hip-hop e aquele com a maior coleção de referências diferentes que alguém já gravou.
Em “Yeezus”, de 2013, ele foi ousado quando o gênero estava numa calmaria modorrenta, para depois defender um rap retrô, “sem tanto lixo misturado”, quando lançou “Donda”, de três anos atrás.
“Vultures 1” peca por algumas letras bobas, que se perdem na verborragia de um poeta querendo revidar as pancadas que recebeu de todos os lados. Mas é um trabalho consistente de rap, que certamente seria endeusado se produzido por um artista iniciante. Em se tratando de Kanye West, talvez fossem necessárias algumas faixas mais acessíveis, mais fadadas ao sucesso.
Duas delas chegam perto. “Fuk Sumn”, que conta com ótimas participações vocais de Playboi Cardi e Scott Travis, traz as evoluções de batidas incomuns que marcam o melhor de Kanye West desde seu início. Impossível ouvir e ficar parado. Se o artista tem planos de lançar singles para maior divulgação do trabalho, algo que ainda não foi anunciado, esse deveria ser o primeiro da fila.
“Beg Forgiveness” é outra faixa com vida própria, impressiona mesmo ouvida fora do contexto todo do álbum. Há revolta, claro, mas é a letra na qual Kanye West reflete com mais densidade sobre suas ações mais recentes, tanto nas provocações quanto na reação a seus críticos. Como ela encerra o álbum, pode até dar a impressão que o volume dois de “Vultures” vai tomar outros rumos.
“Carnival” é outra música que merece uma atenção especial. Não há nela nenhuma fagulha de inspiração inédita, nada genial, mas é a mais arrebatadora entre as 16 que estão no álbum. Hip-hop direto, certeiro, uma cartilha para fisgar qualquer público.
No restante, é um bom repertório no qual uma ou outra faixa se destaca por alguma grande sacada na gravação. Como a linha de baixo pesada e distorcida de “Paperwork” ou os sintetizadores quase hipnóticos de “Burn”.
É curioso perceber que as músicas mais sofisticadas no instrumental são justamente as menos cáusticas nas letras agressivas, como se nessas o rapper se preocupasse mais com a virulência dos versos do que com a construção rítmica.
Seria bom se Kanye West pudesse sustentar uma turnê nesse momento tortuoso de sua vida, porque o material de “Vultures 1” pode crescer muito no palco.
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Fonte: Uol