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Nosso calendário é assim: juntos o ano todo. No Carnaval, porém, ele se torna não apenas extensão do corpo, mas do meu próprio eu. Um eu de tia-avó, encarando sensações térmicas de 50°C e 89 anos de idade. Meu leque, minha vida.
Até aí, nada de novo. Desde quando o teleco-teco engatinhava nas folias de Momo, abanos e ventarolas já faziam parte da ferveção pagã. Mini-outdoors portáteis patrocinados por levanta-defuntos como o Elixir de Nogueira, o Rhum Creosotado e as Pílulas de Vida do Doutor Ross. Uma coqueluche na era pré-Engov.
Enquanto abstêmia de esquindô, me sentia despossuída desse lugar de fala e malemolência. Leque, para mim, era em dias úteis de verão. Conforme utilizado por minha tia-avó Lêda, uma pudica revolucionária. Lança-perfume, para ela, era água de rosas borrifada longe do decote. Preferia lançar olhares e suspiros ao sacudir o anteparo de seda, demonstrando haver algo por trás daquela agitação. E não era fogacho de menopausa.
Ao herdar dela meu primeiro exemplar, arejei até ideias. Atentei para a delicadeza dos ventiladores manuais japoneses. A ponto de enlouquecer numa lequeria centenária de Kyoto, por entre modelos que iam de Milton Cunha a Madame Butterfly, passando pelo grupo Locomia.
Pago de excêntrica nas festas ao ar livre, nos shows lotados e nas reuniões acaloradas de condomínio? Sim, mas rapidamente uma aglomeração forma-se ao meu redor. Tentando filar minha frescura.
Minha mais deleitosa descoberta, no entanto, foi sobre a linguagem secreta dos leques. Um código ancestral que tia Lêda dominava. Nos bailes, nos camarotes de teatro, da janela que dava para a rua, ela abanava os significantes e significados das parentas pegadeiras. A semiótica do flerte.
Fechado, tapando o olho esquerdo: “Quero ver-te”. Aberto, mostrando sete varetas: “Às sete?”. Encobrindo o coração: “Amo-te”. Sobre a orelha esquerda: “Amo outro”. E escondendo todo o rosto: “Não me procures mais!”.
Sendo o Carnaval essa estação de “seducência” e sudorese extremas, defendo então “ô abre-leques” como prática indispensável em momentos heterodistópicos, quando não se entende que não é não.
Reforcemos o discurso verbal com movimentos que expressem desde “não me bafeje cafajestagens” a “venha soar minha cuíca”. A traulitada final na cabeça elegantemente dizendo “não mije no patrimônio histórico!”.
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Fonte: Uol