[ad_1]
Algumas semanas atrás embarquei num trem a caminho de Paris. Vim sem marido nem crianças me aventurar pelo mundo pela primeira vez desde que a maternidade bateu à porta. Lá, do outro lado do canal da Mancha, me esperava Aghata, capixaba radicada em Paris por motivos de matrimônio.
Aghata e eu nos conhecemos há 15 anos. Nossa história começa no Rio de Janeiro, cidade estrangeira para nós duas, unidas por amigos em comum, todos pertencentes ao mesmo círculo de publicitários cariocas ou radicados por lá. Eu tinha cabelos curtos e pretos, com uma franja que me conferia ainda menos anos do que os já parcos registrados no meu RG à época. Aghata era meu modelo de modernidade. Estilosa e tatuada, sua cabeça carregava com propriedade um corte assimétrico que apenas ela poderia ostentar. Mas ao contrário do que poderia se esperar desse tipo de personagem, Aghata não intimidava. Sua presença era ao mesmo tempo indiscutivelmente marcante e surpreendentemente acolhedora.
Nos conectamos logo de cara, mas como boa parte das relações que resistem ao passar dos anos, a vida teve que proporcionar oportunidades para que conseguíssemos cravar em pedra a nossa amizade. A última delas foi sua mudança para a França e a sensação de que a distância entre nós havia enfim diminuído novamente e poderíamos voltar a nos ver numa frequência mais próxima àquela dos velhos tempos.
Ledo engano. A jornada de três horas no trem se provou menos corriqueira do que antecipamos, em parte porque aquela espontaneidade dos vinte e poucos anos foi recentemente substituída pela relativa rigidez da rotina familiar. O resultado é que Aghata e eu não nos víamos há três anos.
Nos quase 1.000 dias que separaram um encontro do outro, não nos ausentamos completamente uma da outra. Mantivemos contato por telefone, de tempos em tempos, dividindo os highlights da vida: emprego novo, mudança de casa, mais um filho chegando. Conversas rápidas ao som da casa cheia, a trilha sonora que impede assuntos de serem concluídos corretamente.
Cheguei em Paris em êxtase. Não apenas por saber que nos veríamos, mas também por saber que teríamos pelo menos algum tempo para nós duas, sem coadjuvantes em cena, o roteiro do filme dedicado apenas às nossas histórias. Ao mesmo tempo, parte de mim era incerteza. Seríamos ainda as amigas que fomos anos atrás? Conseguiríamos preencher esses dias com as conversas infinitas e silêncios confortáveis de então?
Bastaram algumas horas sentadas sobre o chão da sala, embaladas pela luz fraca do abajur, para que a incerteza caísse por terra. Os anos passados longe se tornaram apenas combustível para conversas ainda mais infinitas. E foi assim durante as 48 horas que se seguiram, sem conversa fiada, sem obviedades. De resto, passamos por tudo o que importava. Dos grandes acontecimentos aos tsunamis emocionais mais profundos.
Voltei no trem dois dias depois refletindo sobre a naturalidade com que fomos capazes de nos conectar novamente. E cheguei à conclusão de que o elo da nossa amizade nunca dependeu da nossa presença física, mas da nossa capacidade de nos abrirmos uma com a outra. Sim, falamos do trabalho, das viagens, da família. Mas em meio a tudo isso, falamos do que se passava por dentro. Sobre o pano de fundo dos causos da vida, compartilhamos nossas vulnerabilidades, nossas fragilidades e, assim, no espelho uma da outra, nos fortalecemos. E se isso não é das coisas mais lindas de ser mulher, eu nem sei o que é.
Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
[ad_2]
Fonte: Uol