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Na adolescência em Recife, Felipe S tinha sua atenção musical voltada para o punk do Devotos do Ódio e o hip hop hardcore do Planet Hemp. “Alceu Valença era meio música de barzinho para a nossa galera, a gente torcia o nariz”, lembra.
Mas o vocalista do Mombojó seguiu o conselho de Nelson Rodrigues aos jovens —”Envelheçam!”— e, mais de duas décadas depois, pôde reencontrar o autor de “Anunciação” num lugar mais fundo da sua memória e da sua geração. Agora, celebra esse reencontro em “Carne de Caju”, disco no qual o Mombojó relê canções de Alceu.
“Minha mãe amava Alceu e ouvia muito seus discos”, recorda Felipe. “Um que ficou muito marcado pra mim era aquele que tinha ‘Amor que vai’ [‘Maracatus, Batuques e Ladeiras’, de 1994]. Gosto muito dessa música desde criança. Sempre que ouço, paro tudo. Ela remete aos meus primeiros entendimentos de vida”.
“Amor que vai”, é claro, faz parte do repertório de “Carne de Caju” desde que surgiu a primeira ideia do disco. O projeto nasceu quando o Mombojó gravava um outro álbum, de canções próprias, e Felipe pensou em fazer algo especial para o período do verão.
“Nunca tocamos entre dezembro e fevereiro”, explica. “Mas não queria algo muito comercial, mas sim um trabalho de pesquisa, mergulhar na obra de um compositor e trazer pro nosso universo. Aí veio Alceu”.
Seus colegas de banda a princípio ficaram com o pé atrás, afinal, estavam finalizando um disco. Combinaram então de tentar gravar o que desse nos dias que sobrassem de estúdio.
“Eles diziam: ‘Vamos ver se dá para gravar uma ou duas, talvez três’. Mas acabou que em três dias de estúdio gravamos as bases das oito músicas”, conta Felipe. Ele tem uma teoria para dar conta da velocidade com que os arranjos surgiram: “Essas músicas estão tão dentro da nossa cabeça que sabíamos naturalmente o que fazer”.
As canções do disco são familiares aos integrantes do Mombojó porque, como relata Felipe, “a música de Alceu toca em todo canto de Recife, do shopping ao Mercado de São José”. Mas o repertório não abarca hits óbvios, como “Morena Tropicana”, “Anunciação” e “La Belle de Jour”. Há, sim, músicas conhecidas, como “Tomara”, “Como Dois Animais” e “Estação da Luz”. Mas há também “lados B” do compositor: “Romance da Bela Inês”, “Chuvas de Cajus” e “Sino de Ouro”.
O critério central de seleção do repertório veio a partir do que conversaria melhor com a sonoridade do Mombojó. E “Carne de caju”, primeiro disco da banda que não é de composições próprias, soa inegavelmente como Mombojó, nos arranjos de Felipe, Marcelo Machado, Chiquinho Moreira, Vicente Machado e Missionário José.
Há, inclusive, easter eggs para os fãs, com citações a gravações anteriores da banda. “‘Estação da Luz’ tem a mesma batida de bateria de ‘Papapa’”, conta Felipe. “E em ‘Sino de Ouro’ Chiquinho fez um teclado muito parecido com ‘Me Encantei por Rosário’. São só dois exemplos”.
Felipe diz que, fazendo o disco, se deu conta de como Alceu era uma referência importante na sua música: “Caíram várias fichas. De como, apesar de a minha voz ser menor, eu tenho influência de Alceu no jeito de cantar, com notas arrastadas, longas. E assim como ele, gosto de letras curtas, de falar das belezas naturais”. Em “Romance da Bela Inês”, que Felipe não achava que se adequava à sua voz, o guitarrista Marcelo assumiu a tarefa.
“Carne de Caju” de alguma maneira recoloca Alceu num diálogo com as novas gerações da música pernambucana. Na década de 1970, o músico —ao lado de bandas como Ave Sangria— propôs a construção de uma música contemporânea que bebesse das tradições musicais do Nordeste, sobretudo de seu estado.
Mas o manguebeat, que fez procedimento semelhante por outros caminhos, renegou a filiação àquela geração anterior. Representante da cena pós-mangue, o Mombojó tenta realinhar essa narrativa.
“A geração do mangue nunca teve conexão com ele”, avalia Felipe S. “Os mais novos não tinham ideia do grau de inovação de Alceu, parecia que Chico Science estava inventando essa ideia de misturar música local com o que se estava vivendo no momento. Mas é o caminho, como Luiz Gonzaga foi para Alceu, Alceu foi para Lenine… Uma semente que vai gerando vários frutos”.
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Fonte: Uol