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Segundo Frank Wilderson 3º, há uma falência da lógica narrativa em um mundo antinegro, uma vez que o caráter arbitrário e gratuito da violência contra pessoas negras interdita qualquer nexo de causa entre os acontecimentos e desfaz as fronteiras entre escravidão e liberdade.
O escritor afro-americano Jason Mott, vencedor do National Book Award em 2021 com este “Puta Livro Bom”, assume de forma brilhante e inventiva essa falência ao borrar os limites entre real e imaginado em seu premiado romance.
Mott constrói um livro que mergulha no letramento de sobrevivência de meninos e homens negros, aprisionados por uma realidade que limita a força de sua imaginação, pois viver se torna uma tentativa constante de não morrer —escapando do clarão branco da morte que os faróis da polícia anunciam quando deitam suas luzes sobre os corpos negros.
Acompanhamos os passos de três figuras sem nome: o Autor, o Garoto e Fuligem. “Puta Livro Bom” é o mesmo título do livro do Autor, que faz uma turnê de divulgação do seu best-seller rodando pelo país com seu rosto negro estampado em capas de revistas e sites.
Em meio ao glamour do sucesso e às aventuras amorosas, sua história é intercalada com a de Fuligem, um menino negro de uma cidadezinha do Sul, cujos pais o ensinam a ficar invisível para se proteger. No entanto, todos os dias ele fracassa ao ser lembrado de que é “preto feito fuligem de chaminé” e ao ver notícias de meninos negros que são baleados.
Enquanto o Autor vive o auge de uma visibilidade midiática, reconhecido em todos os lugares como um grande escritor negro, Fuligem é um menino solitário que, com sua pele preta “feito uma noite sem estrelas”, deseja ficar invisível para não mais sofrer.
É como se a história de Fuligem fosse também o passado que o escritor quer evitar e, ao mesmo tempo, um lembrete de como muitos jovens negros, contraditoriamente, permanecem invisíveis em sua vulnerabilidade e beleza.
Entre esses dois personagens emerge o Garoto, visível apenas para o Autor e que o acompanha em sua turnê. Esse Garoto, cuja pele tem o mesmo “esplendor” e “negrume” de um exuberante pavão preto, se torna o que há de mais real e belo para um escritor.
Sua gargalhada tem “o som de todas as coisas boas que já aconteceram comigo”, segundo o Autor, mas nem todos podem ouvi-la quando tiros silenciam a risada de tantos meninos negros. Não à toa, o Autor queria o impossível: “que esse menino pudesse rir para sempre”.
Mott abre espaço para uma relação entre um homem e um menino negro que instaura outra realidade: é o mundo invisível que se torna real. Nesse encontro, o Garoto bagunça as distinções entre real e imaginário, levando o Autor a se voltar para traumas e memórias do passado, entendendo o quanto ele precisou se tornar escritor para sobreviver.
Com o Autor lidando com as armadilhas racistas do sucesso, com o alcoolismo, com a insegurança, é o Garoto que “vai deixando a vida mais insuportável”, uma vez que não sabe se “um negro pode ser feliz nesse mundo”.
Pensar se Garoto, Fuligem e Autor são a mesma pessoa é irrelevante, pois os três coexistem em todos os homens negros “despedaçados e tentando lembrar que são belos”.
E, mesmo sem nomes próprios, eles não são estatísticas. Ao não lhes dar nome, Mott parece sugerir que não é preciso um nome para que a vida de um homem negro importe. Mas em Fuligem, Garoto e Autor cabe o nome de cada homem negro que se foi e que segue vivo, pois esse romance é, como diz o Autor, “uma história sobre amor”. E, realmente, um puta livro bom.
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Fonte: Uol