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Dificilmente você está passando o verão em qualquer canto do Brasil sem ter ouvido uma voz feminina rasgante entoar o clássico “Escrito nas Estrelas”, originalmente lançado por Tetê Espíndola, em 1985: “Caso do acaso bem marcado em cartas de tarô/ Meu amor, nosso amor estava escrito nas estrelas…”
Trata-se da sertaneja Lauana Prado, cantora que vem se destacando nos últimos anos. Bissexual assumida, a trajetória de Lauana mostra o quanto a música sertaneja possui brechas que os críticos do gênero quase nunca conseguem ver.
Nascida em Goiânia, a cantora passou a infância e adolescência em Araguaína (TO). Formada em Comunicação Social na Universidade Federal do Maranhão, Lauana tinha tudo para ser uma sertaneja universitária de carteirinha. Mulher empoderada, também tinha tudo para bombar no feminejo, que desde 2015 colocou mulheres na linha de frente da música sertaneja. Mas seu caminho foi mais tortuoso.
A cantora participou de dois programas de calouros de Raul Gil (Jovens Talentos, em 2001, e Mulheres que Brilham, em 2014) e um da Rede Globo (ela foi semifinalista da primeira edição do The Voice, em 2012). Como acontece com quase todos que participam destes concursos vocais, o programa só serviu para aumentar o currículo, mas não trouxe sucesso.
Depois de lançar disco sem repercussão sob a alcunha de Mayara Prado, a cantora assumiu o nome do meio, Lauana. E começou a chamar atenção do público mais amplo em 2019, quando a canção “Cobaia” estourou em boa parte do Brasil. De lá para cá, ela manteve a carreira com sucessos populares como “Viva Voz”, “Você Humilha”, “Whisky Vagabundo” e “Primeiro Eu”. Mas foi com a regravação de “Escrito nas Estrelas” que a cantora tornou-se um fenômeno nas redes sociais.
Em outubro passado foi lançado o disco ao vivo “Raiz Goiânia”, que sedimentou o sucesso e fez explodir sua versão. Cantada com o drive vocal bem feito, “Escrito nas Estrelas” de Lauana tem algo de diferente das versões anteriores.
A canção já havia sido regravada por diversos artistas, sempre sem grandes repercussões. Elymar Santos, Os Travessos, Emílio Santiago, Ivete Sangalo e Margareth Menezes já cantaram a canção sem conseguir repetir o sucesso de Tetê Espíndola, que ganhou o “Festival dos Festivais” da TV Globo, em 1985. A gravação de Lauana trouxe popularidade a uma música que antes tinha aura experimental.
Cantada por Tetê Espíndola, com timbre agudíssimo e arranjo sofisticado, a canção composta por Carlos Rennó e Arnaldo Black flertava com a Vanguarda Paulistana, movimento dos anos 1980 do qual todos faziam parte. “Escrito nas Estrelas” foi talvez a canção que mais popularidade trouxe àqueles artistas, quase sempre herméticos em suas escolhas estéticas.
A produção da Vanguarda Paulistana dialogava mais com os universitários da USP e a classe média-alta da Vila Madalena e Pinheiros do que com o sucesso massivo. Pois foi Lauana quem trouxe à tona o lado massivo e popular de “Escrito nas Estrelas”, sem negligenciar o apuro técnico da ótima cantora que é. Como apontou o youtuber Dudu Purcena, Lauana sabe usar técnicas como o falsete, melisma e o drive de forma precisa, sem enjoar o ouvinte.
Em entrevista ao G1, o letrista Carlos Rennó disse: “Eu acho positivo ver isso rememorado. A canção merece isso e é bom ver uma nova gravação, uma nova interpretação, como a da Lauana Prado —uma cantora popular que tem entre seus objetivos a elevação do nível artístico da música sertaneja, além dela ter um comportamento não conservador, se formos considerar os artistas em geral desse gênero de música”.
Rennó faz referência direta ao fato de Lauana não ser conservadora no campo dos costumes. Nos últimos anos, por causa do apoio de vários artistas às pautas bolsonaristas, ficou a impressão geral de que todos os sertanejos seriam homofóbicos. Se é verdade que o meio é bem machista e homofóbico, ao mesmo tempo, há brechas libertárias e a carreira de Lauana comprova isso.
Bissexual, a cantora namorou de 2019 a 2023 a influenciadora Vanessa Schulz, mas nunca fez disso uma bandeira para mobilizar sua carreira, algo tão comum nos dias de hoje. Talvez por isso seu sucesso não incomode tanto os mais conservadores do meio sertanejo.
Mesmo correndo o risco de represálias, Lauana nunca se negou a responder sobre a união e chegou a ir em podcasts com a então namorada, com quem passou a morar junto durante a pandemia. Lauana leva a sexualidade de forma a não chocar os mais conservadores do seu meio, mas sem negar suas escolhas. E sua produção musical tampouco camufla sua bissexualidade. Na canção “Pegada Fraca”, de 2022, ela ironizou todes ao dizer na introdução: “Essa vai para todos os meus ex e para todas as minhas ex!”
O disco “Raiz Goiânia”, no qual “Escrito nas Estrelas” está incluída, é um disco de regravações. Além de Tetê, outros artistas da MPB foram contemplados. Lauana gravou “Loba”, do repertório de Alcione, “Malandragem”, de Cássia Eller, e “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, canção do brega Fernando Mendes que ganhou ainda mais fama na voz de Caetano Veloso na virada do milênio.
Colocando lado a lado o repertório da MPB, brega, samba e do sertanejo, Lauana dilui alguns muros que existem na música brasileira. Mesmo apelando a uma suposta raiz goiana tradicional, sua obra avança na abertura comportamental e estética, permitindo metamorfoses na música sertaneja e endossando o hibridismo musical e comportamentos libertários no campo dos costumes.
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Fonte: Uol