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O aniversário de São Paulo é sempre marcado pelas histórias, tradições, regastes e definição do que é e como é a maior metrópole da América do Sul. Uma história importante, mas pouco lembrada nessa data é a do protagonismo negro. A urgência do tema racial nos últimos anos pressiona para que as contribuições sejam reconhecidas, ao mesmo tempo em que muitas das demandas do movimento negro ainda têm futuro incerto.
Para começo de conversa, é preciso lembrar que dos 11,4 milhões de habitantes da cidade, 4,9 milhões são pessoas negras (43% do total da população), segundo dados do Censo de 2022, o que torna São Paulo a cidade com a maior população negra do país. Mas esse número elevado de pessoas negras ainda não se vê em nome de ruas, praças, monumentos, tendo a sua história conhecida ou o presente valorizado.
No bairro da Liberdade, por exemplo, a ocupação negra nos séculos 18 e 19 tem ganhado mais holofotes. O bairro foi o primeiro habitado por essa parcela da população e também teve sistemas de dor na escravização, como o pelourinho, a forca, a cadeira pública e o cemitério dos aflitos dedicado a negros e indígenas. A praça principal do bairro foi rebatizada em 2023 de Liberdade África Japão evocando essa memória, mas o metrô continha sendo Japão Liberdade, num apagamento das outras culturas que contribuíram com o bairro.
O Memorial dos Aflitos talvez seja hoje a obra mais importante a ser feita pelo governo municipal, mas padece de poucos recursos e atenção devida. Depois de o Escritório Paulistano de Arquitetura desistir do processo por conta de erros apontados pelos movimentos sociais, o projeto do arquiteto Igor Carolo será o executado, mesmo sem pessoas negras na liderança da equipe. Outros pontos que precisam ser ressaltados são: a demora do processo e o valor destinado.
As 9 ossadas que faziam parte do cemitério dos aflitos foram encontradas em 2018 no terreno em que será erguido o memorial e só agora o museu começa de fato a sair do papel. Além disso, o valor do projeto, que faz parte da alçada Secretaria Municipal de Cultura, é de apenas R$ 4 milhões, enquanto o prometido inicialmente era R$ 28 milhões. Mostra a importância, ou não, da história negra para a Prefeitura de São Paulo.
A Capela dos Aflitos teve a sua reforma, finalmente, iniciada neste mês de janeiro. A restauração da estrutura deve durar pelo menos um ano e meio, período em que ficará fechada. Os recursos não garantem, no entanto, a conservação do mobiliário e dos bens integrados, como é o caso do retábulo (altar) de Santo Antônio de Categeró, que está tomado por cupins. Só essa parte da igreja tem reforma estimada em R$ 200 mil. Uma vaquinha tenta levantar os recursos.
Já o culto a Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, realizado na capela e que inclui bater três vezes em uma porta de madeira, fazendo pedidos em pedaços de papel começa a ser analisado para se tornar patrimônio imaterial pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo), que aprovou na última segunda-feira (22) a abertura de um processo de estudo.
Enquanto isso, a Rua dos Aflitos, que termina na capela e no futuro memorial, faz parte do projeto “Ruas Abertas”, que impede a circulação de carros aos domingos e cria vias de lazer para a população, mas o projeto de torna-la um calçadão e tirar as luminárias japonesas do local que era entrada do cemitério para negros e indígenas ainda parece só um sonho.
No Bixiga, onde funcionou o Quilombo da Saracura e a escola de samba Vai-Vai os processos não são muito diferentes. A descoberta dos vestígios do quilombo na obra do metrô da futura Linha 19-Laranja despertou a necessidade do resgate dessa história. O movimento Saracura Vai-Vai, formado por moradores do bairro e lideranças sociais, pede a mudança do nome da nova estação, de 14 Bis para Saracura Vai-Vai; um museu no próprio local dos achados para expor as peças e educação patrimonial para a disseminação dessas informações.
As escavações no sítio histórico continuam, mas até o momento já foram encontradas cerca de 20 mil peças, entre elas um Exu (orixá da comunicação), elementos de ferro e ágata, usados em assentamentos, em quantidade surpreendente e artefatos associados às religiões de matriz africana.
Também no centro, a República ainda precisa ser entendida como um território em que a imigração africana trouxe uma contribuição importante, com novos restaurantes, lojas e estampas, línguas e religiões. Ao passo que a Barra Funda, novo polo cultural, precisa ter sua história e presente negros mais reconhecidos, para que a gentrificação iminente não nos apague de vez no bairro.
Há ainda outras urgências como revitalizar o marco zero do Hip Hop, uma inscrição no chão feita na esquina das ruas Dom José de Barros e 24 de maio, que pelo seu estado atual mostra como o apagamento da história negra se dá na prática. A mudança de nome da Rua Rego Freitas, que foi um juiz que defendia o regime escravagista e atuava contra os pedidos de liberdade de pessoas negras, sendo algoz do advogado, jornalista e abolicionista Luiz Gama; a volta do chafariz do Tebas, construído no século 18 pelo arquiteto negro Joaquim Pinto de Oliveira no Largo da Misericórdia; além da implantação de novos monumentos (maiores e mais visíveis) em homenagem as pessoas negras, que também precisam ter mais nomes de ruas e praças.
Não, não vou esquecer do que ocorre nas periferias, afinal o maior percentual de pessoas negras está em bairros como Jardim Ângela, Grajau, Parelheiros, Lajeado e Cidade Tiradentes. As manifestações de cultura – negra – nessas localidades precisam ser mais conhecidos e valorizados, como é o caso do Samba da Rua 2, no Jardim Nakamura; da Cooperifa, no Jardim São Luís; do Sankofa Hub e Pagode da 27, no Grajau; da Casa Solano Trindade, no Campo Limpo; do Quilombaque, em Perus; do Slam da Guilhermina, na Vila Guilhermina, entre tantas outras manifestações.
A verdade é que São Paulo ainda precisa olhar para suas histórias negras pouco conhecidas; valorizar a construção do presente, fazendo as transformações necessárias para que no futuro próximo espelhe e seja mais acolhedora com a sua população negra, sabendo como tornou-se o que é: uma cidade negra.
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Fonte: Uol