[ad_1]
No final da adolescência e no início da juventude, Bárbara Colen manifestava a vontade de se tornar atriz. Mas aquilo lhe parecia um desejo distante. Na sua família de classe média-baixa em Belo Horizonte, não havia ninguém ligado às artes e, principalmente, a questão financeira se impunha: era preciso escolher uma rota profissional que logo lhe garantisse algum dinheiro.
Formou-se em direito e foi aprovada em um concurso para trabalhar no Ministério Público na capital mineira. “Era o emprego dos sonhos, com contracheque, férias remuneradas”, lembra, sorrindo, à Folha em meio aos eventos ligados à homenagem que ela recebe nesta edição da Mostra de Cinema de Tiradentes. Enquanto isso, recorda-se, estudava teatro em um curso noturno.
Nessa época, o fascínio pela interpretação convivia com reflexões que a desestimulavam a seguir como atriz. “Eu não acreditava que a carreira de cinema fosse para mim, não achava que tinha o ‘tipo certo’. Não tinha noção do racismo que estava implícito nessa ideia de ‘tipo certo’. Eu sabia que os personagens que eu poderia fazer seriam reduzidos, muito aquém da minha subjetividade”, afirma. “Lembro de fazer escova para ir mais bonita para um teste de elenco, sabe?”
Tudo começou a mudar quando Colen foi convidada para participar do curta-metragem “Contagem” (2010), dirigido por Gabriel Martins (“Marte Um”) e Maurílio Martins (“No Coração do Mundo”, em parceria com Gabriel), dois dos quatro integrantes da produtora mineira Filmes de Plástico. Foi um passo decisivo para a carreira da atriz, que hoje, aos 37 anos, é um dos nomes mais celebrados do cinema brasileiro contemporâneo.
O curta foi exibido em Tiradentes, o primeiro festival do qual ela participou. “‘Contagem’ foi uma virada de chave. Os meninos [Gabriel e Maurílio] estavam procurando o meu tipo, era exatamente a descrição da personagem naquela história que se passava na periferia. E era uma personagem divertida, livre, inteligente”, conta. “Eu pensei: ‘Tá acontecendo uma coisa diferente, sabe?’”.
Aos poucos, o cinema, assim como a TV, começava a escalar atores negros para papeis que não eram estereotipados. A sensibilidade e a dedicação de Colen pesaram, claro, mas ela soube se valer de um movimento mais amplo, embora insuficiente, em torno da diversidade.
Aos 29 anos, ela avisou o Ministério Público que deixaria o emprego para se entregar à carreira de atriz. Alguns dias depois do comunicado, veio um convite do Recife. O diretor Kléber Mendonça Filho tinha um papel para ela em “Aquarius” (2016), uma parceria que se repetiu em “Bacurau” (2019), este codirigido por Juliano Dornelles.
“‘Bacurau’ transformou minha vida, não só minha carreira. Abriu muitas portas, ganhei visibilidade, rodei muitos festivais internacionais”, diz ela sobre o filme que conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019. “Como foi um processo em que fiquei três meses no sertão, passei a entender a importância de uma dimensão metafísica do trabalho. O sertão é cheio de mistérios, como dizia Guimarães Rosa.”
Sua Tereza de “Bacurau” revelava uma atriz que sabe se afastar do excesso. Sua capacidade de comunicação está, sobretudo, nos olhares e nos gestos –extrai o máximo do que é supostamente mínimo. “Sou muito mineira, ligada ao não-dito, à expressão nas entrelinhas”.
Em 2021, houve uma nova reviravolta com o convite para a novela “Quanto Mais Vida, Melhor”, da Globo. “Na TV, não dá para ficar à mercê de uma emoção que pode aparecer ou não. As coisas precisam acontecer, há um pragmatismo. Nesse sentido, entra a técnica como ferramenta de trabalho.”
Como é frequente entre os atores de cinema que participam de uma novela pela primeira vez, Colen se surpreendeu com a repercussão. Não esconde um certo incômodo de, a partir de então, ser muito reconhecida em lugares públicos. Há um outro lado, porém. “Era impressionante o número de mensagens de mulheres que me falavam que estavam parando de alisar o cabelo por causa da minha personagem.”
Cabelo, ela sabe bem, não é um detalhe. “Toda vez que fazia escova, tinha a sensação de que estava performando, que não era eu ali, como se estivesse escondendo algo”.
Orgulhosa dos cabelos crespos, ela viveu personagens como a bem-humorada Rose em “No Coração do Mundo”, seu reencontro com Gabriel e Maurílio Martins lançado em 2019, e a destemida Fernanda em “Fogaréu” (2023), sob a direção de Flavia Neves –este sem previsão de data de estreia.
Ao longo de 2024, devem entrar em cartaz pelo menos dois filmes com participação de Colen. Um deles é “O Silêncio das Ostras”, dirigido pelo também mineiro Marcos Pimentel, com quem a atriz havia trabalhado em “Dia de Reis”, telefilme que foi exibido pela Globo em 2018. O longa apresenta três fases da história de uma mulher que mora numa vila de mineração atingida pelo rompimento de uma barragem.
O outro é “Cinco Tipos de Medo”, um filme de ação do mato-grossense Bruno Bini em que a atriz interpreta uma policial.
Nos próximos meses, vai participar do primeiro longa-metragem da diretora baiana Juliana Guanais. Estão a caminho outros projetos sobre os quais ela ainda não pode falar. Tantos convites e a homenagem em Tiradentes mostram que Colen se enganou quando jovem. O cinema é, sim, para atrizes como ela.
O jornalista viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes
[ad_2]
Fonte: Uol