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Apesar do cenário fiscal desafiador, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não parece disposto a rever sua política de buscar o equilíbrio das contas públicas exclusivamente por meio do aumento da arrecadação.
Corte de despesas, revisão de gastos e reforma administrativa são tabus dentro do governo petista, que fechou 2023 registrando o segundo maior déficit primário da história, de R$ 234,3 bilhões, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Na avaliação de economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a falta de atenção para o lado da despesa é “um grande problema” a ser enfrentado este ano. Além de a estratégia do titular da Fazenda, Fernando Haddad, ser totalmente voltada para a receita, o ministro ainda sofre pressões de Lula e do PT para abrir ainda mais a torneira dos gastos no ano eleitoral.
“O governo não apresentou nenhum plano para amenizar a necessidade de arrecadação e, na outra ponta, aumentou despesas com medidas como o reajuste do salário mínimo [acima da inflação]. É um governo focado no populismo, porque acredita que a expansão do gasto público gera emprego e crescimento”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
“Mas o governo não conta o outro lado da equação, as consequências de uma política fiscal frouxa, que são a redução da eficácia da política monetária, a inflação e a redução de investimentos, emprego e renda a médio prazo”, completa Agostini.
Na avaliação de Gabriel de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, a estratégia trará mais dificuldades ao governo este ano, especialmente pela perspectiva de redução do crescimento da economia.
“A economia global está desacelerando e o preço das commodities arrefecendo. O PIB brasileiro, que já começou a cair no terceiro trimestre de 2023, virá mais fraco. O governo também não terá mais o fôlego de receita que teve no ano passado, com a PEC de transição que conseguiu promover um crescimento da economia. Tudo isso vai comprometer a arrecadação”, afirma.
Além disso, os economistas apontam que não há garantias de sucesso dos esforços de Haddad ao longo do segundo semestre de 2023, para aprovar no Congresso uma lista de medidas para elevar a arrecadação.
O ministro se lançou numa cruzada por receitas na ordem de R$ 168 bilhões para tentar zerar o déficit primário neste ano, conforme prevê o novo arcabouço fiscal. Entre os projetos aprovados estão a tributação de fundos offshore, fundos fechados e apostas esportivas. A estimativa da Ryo Asset é que o volume arrecadado com todas as medidas não seja maior que R$ 70 bilhões.
“O que pode agravar a situação [fiscal] é um desempenho pior que o esperado para as receitas advindas das medidas novas aprovadas ao longo do ano passado e que têm uma importância grande para o resultado preconizado”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.
Prioridade é aumentar a arrecadação
Neste cenário, a prioridade do governo continua sendo arrecadar. O empenho de Haddad em prol do Tesouro culminou, no apagar das luzes de 2023, na edição da Medida Provisória 1.202, que revogou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores. A iniciativa foi vista como afronta ao Congresso, que havia aprovado o benefício fiscal em outubro e derrubado veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dois meses depois.
Pela regra da desoneração, vigente desde 2012 e prorrogada até 2027 pelo Congresso, as empresas podem substituir a contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre o primeiro salário-mínimo dos funcionários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
Com a MP, o governo tentou restabelecer a volta gradual da contribuição patronal sobre os salários, de forma escalonada, até 2027. No lugar dos 17 setores, definiu 42 atividades econômicas, divididas em dois grupos, com a CPP reduzida em 50% ou 25% no primeiro ano.
Além disso, a MP suspendeu o desconto na contribuição previdenciária de pequenos municípios que havia sido criado pelo Congresso e revogou os benefícios fiscais ao setor de eventos vigentes desde a pandemia.
Causou indignação entre empresários o fato de o governo também ter limitado o uso de créditos tributários obtidos por empresas que entraram na Justiça contra o pagamento de impostos indevidos. “O governo promoveu uma apropriação indébita de recursos devidos às empresas. É um absurdo, provoca enorme insegurança jurídica”, avalia Barros.
Governo não desistiu da reoneração da folha de pagamentos
A crise contratada com a MP vem sendo negociada entre governo e Congresso, na tentativa de encontrar alternativas para o Tesouro.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), diz que há um acordo com o governo para que a parte da MP 1.202 que reonera a folha seja revogada, e que os demais pontos sejam tratados em uma outra peça. Haddad, porém, não confirma tal acerto e não dá mostras de ter desistido da reoneração.
Pelas contas do Ministério da Fazenda, a desoneração da folha, da forma como aprovada pelo Congresso, custará ao Tesouro R$ 16 bilhões. Incluindo o benefício para eventos, chamado de Perse, a cifra vai a R$ 32 bilhões, segundo declarou Haddad.
Um relatório da Fazenda descreveu a desoneração como cara e ineficiente, e muitos analistas a veem exatamente dessa forma. O Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), um think tank criado em 2015 por especialistas em tributação e finanças públicas, propõe um redesenho a partir de uma lógica horizontal, sem eleger setores beneficiados.
Hoje secretário extraordinário para a reforma tributária do Ministério da Fazenda, o economista Bernard Appy, que integrou o CCiF, havia dado pistas, no fim do ano passado, sobre a proposta que era discutida no Ministério da Fazenda. A ideia, na época, era alterar a tributação da folha das empresas no âmbito da reforma da tributação na renda – a segunda etapa da reforma tributária, que ainda será apresentada.
A MP 1.202, porém, veio antes, como uma reação à prorrogação da desoneração da folha até 2027 pelo Congresso. A lógica dos parlamentares para renová-la foi simples: o benefício terminaria no fim de 2023 e o governo não tinha apresentado qualquer proposta para substituí-lo.
“É curioso que o ministro tenha apresentado uma MP tão ambiciosa sem consultar integrantes de seu próprio ministério”, afirma o economista-chefe da Ryo Asset.
Governo deve insistir no discurso do déficit zero
Embora os agentes econômicos já precifiquem um déficit acima de ao menos 0,8% do PIB neste ano e a possibilidade de revisão da meta fiscal em março, no primeiro relatório bimestral das contas públicas, Haddad tem insistido na viabilidade da meta de déficit zero.
“O ministro Haddad sabe da importância de manter a meta zero e sinalizar para eventual necessidade de uso dos gatilhos do próprio arcabouço, tempestivamente e se necessário for”, diz Salto.
O Tribunal de Contas da União (TCU) fez um alerta na última semana, após julgamento sobre a conformidade da proposta de Orçamento para este ano, de que o governo pode ter superestimado receitas no Orçamento de 2024.
O risco é de que a frustração dessas expectativas leve a um déficit de até R$ 55,3 bilhões, o implicaria no descumprimento da meta fiscal. Na visão do TCU, isso indica a “necessidade de se rever para baixo o crescimento das despesas primárias” autorizado no novo arcabouço.
Hoje o marco fiscal permite que as despesas cresçam até 70% do avanço das receitas, e estabelece um patamar mínimo de crescimento do gasto: 0,6% ao ano, mesmo que as receitas não avancem tanto ou mesmo caiam.
No relatório da unidade técnica, que embasou o posicionamento da corte, os auditores afirmam que “seria importante limitar o crescimento [real] das despesas primárias a uma taxa menor” que os 70% estipulados.
Pressão do PT é para alteração da meta fiscal
A lei determina que o governo deve contingenciar despesas – ou seja, bloquear os pagamentos – quando percebe que não irá atingir a meta fiscal.
Mas o governo e o PT temem pelos efeitos de um corte de gastos em 2024, ano de eleição municipal. Outra aflição vem do fato de que um eventual estouro da meta do arcabouço levaria ao acionamento de gatilhos de contenção de despesas em 2025 e principalmente 2026, quando ocorrem as eleições presidenciais.
O redutor de despesa está previsto no novo arcabouço fiscal, como punição para caso de descumprimento da meta. É por isso que líderes petistas fazem tanta pressão para rever a meta. Seria o jeito mais fácil de fugir do contingenciamento neste ano e evitar gatilhos nos próximos.
A principal preocupação é o bloqueio de recursos em obras do Novo PAC. “Acho que a probabilidade de mudar a meta é relevante, dada a pressão, que vai voltar com tudo, aliás, dos mesmos atores de sempre. Os gastadores de plantão”, preconiza Salto.
No ano passado, Haddad conseguiu convencer Lula para manter a meta sob a promessa de contingenciar até R$ 23 bilhões, valor abaixo do calculado por analistas, que apontaram a necessidade de um bloqueio de R$ 53 bilhões.
A expectativa de muitos analistas é que o governo vai administrar o “timing” e administrar o Orçamento com algum contingenciamento. “O governo vai comprar tempo, observando o ritmo da arrecadação e os impactos da desaceleração da economia”, acredita Barros.
Debate de corte de gastos está interditado pelo governo
Mesmo com as incertezas sobre o comportamento da economia e ainda que o governo consiga empurrar a revisão da meta para a frente, Gabriel de Barros avalia que cedo ou tarde ficará claro que o arcabouço fiscal é frágil e insuficiente para garantir o ajuste fiscal. “Ele tem um problema de origem. É um plano de voo errado, porque não está resolve os problemas estruturais das despesas”, diz.
Pelos seus cálculos, divulgados num artigo publicado pelo blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre) medidas pontuais que trariam a melhora do setor público poderiam gerar uma economia fiscal de até R$ 700 bilhões em dez anos.
“A reforma administrativa, que já está madura no Congresso, é uma delas. A próprio Arthur Lira [PP-AL, presidente da Câmara] já levantou a necessidade do tema”, afirma.
Há pelo menos duas medidas de revisão de gastos – mecanismo adotado em governos no mundo todo como forma de eliminar ou redesenhar políticas públicas ineficientes.
A primeira é a fusão de políticas sociais, hoje distribuídas em diversos programas de benefícios. A segunda é a reforma ou eliminação do abono salarial, implantado numa época de defasagem do salário mínimo e que hoje não tem sentido, segundo Barros.
O economista ressalta ainda que estudos sobre a experiência internacional mostram que países que tentaram fazer ajuste só pelo lado da arrecadação tiveram como resultado inflação maior e menor PIB potencial.
“Não dá certo em nenhum lugar do mundo. Mas não se pode falar isso sem ser xingado ou cancelado”, diz. Segundo ele, o governo interditou o debate numa opção político-ideológica. “Estamos como um sapo na panela. E a agua está esquentando”, afirma.
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Fonte: Notícias ao Minuto