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A geração de energia por matérias-primas como sol, vento, biomassa e até lixo avança rapidamente no Brasil e no mundo. A expectativa é de que essas fontes – habitualmente chamadas de “limpas” ou “renováveis” – possam gradualmente reduzir ou limitar o uso de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, contendo assim as emissões de gases de efeito estufa.
Mas, de acordo com estudos e entidades que acompanham comunidades onde empreendimentos estão sendo construídos, a chamada transição energética traz à tona um “outro lado” que nem sempre é considerado: os impactos sociais e ambientais dessas tecnologias.
No Brasil, as fontes renováveis que mais se destacam são a eólica e a solar. Apenas em 2023, entraram em operação 9 gigawatts (GW) de potência na soma de aerogeradores e painéis fotovoltaicos, o que representa quase 90% da expansão recorde do setor elétrico no ano (10,3 GW).
Os parques de energia solar e energia eólica, com avanço notável no Nordeste do país, são comumente instalados em áreas remotas, onde provocam mudanças significativas no cotidiano da comunidade, na flora e na fauna. Os efeitos colaterais vão desde desmatamento e poluição sonora a problemas de saúde para a população do entorno.
No Relatório Anual do Desmatamento (RAD) de 2023 com dados de 2022, o MapBiomas identificou pelo menos 69 alertas em áreas de empreendimentos eólicos e 23 em áreas de usinas fotovoltaicas. No total, foram contabilizados 4 mil hectares de caatinga desmatados devido a parques eólicos e solares, incluindo linhas de transmissão.
O estudo é feito anualmente há quatro anos e esta é a primeira vez que que considerou a infraestrutura das energias renováveis como um vetor de desmatamento.
Washington Rocha, coordenador do estudo, explica que o volume ainda não é elevado, mas que já desponta como a segunda causa de desmatamento no bioma caatinga e que tem mostrado tendência de crescimento – a primeira causa é a atividade agropecuária.
Além do desmatamento, outras duas preocupações são o potencial risco de desertificação e a possibilidade de que parques geradores sejam instalados em áreas de refúgios ecológicos e locais de vegetação nativa preservada.
O lastro das consequências pode ir muito além das comunidades locais. Um eventual descontrole na degradação da vegetação, segundo Rocha, terá repercussões na segurança alimentar e hídrica e impactos ecológicos irreversíveis.
Soraya Tupinambá, ecologista do Instituto Terramar e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, diz que aspectos sociais e econômicos mais abrangentes têm sido deixados de lados na transição energética.
“Não somos contra as energias renováveis. Mas não se pode fazer desconsiderando as populações. A humanidade vive um problema de escassez de água doce, insegurança alimentar, pobreza energética. Não se pode desprezar estes ecossistemas fundamentais para o modo de vida local”, afirma.
Romária Holanda, educadora no Instituto Terramar, foi a campo e entrevistou famílias que moram onde os empreendimentos eólicos e solares são instalados. Os relatos que ouviu em Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará são parecidos, segundo ela.
“Além dos desmatamentos e mudanças para fauna e flora que não são positivas, observamos o adoecimento da população. Eles disseram que as torres [eólicas] soltam um pó que causa irritação na pele e na respiração, e que o barulho e a luz e dos aerogeradores atrapalha o sono à noite. Tudo isso causa não só adoecimento físico mas mental também”, diz.
“Pessoas deixam de dormir, se tornam dependentes de remédios, adquirem problemas de saúde mental, depressão, entre outras questões”, diz Soraya.
Outro problema, segundo elas, se refere à questão à terra, seja na posse ou ecossistema. De acordo com Soraya, é frequente a ocorrência de contratos de arrendamento injustos, com cláusulas abusivas em desfavor dos moradores.
Além disso, a quantidade crescente de empreendimentos de grande porte afeta o solo, causando um efeito cascata. Ela dá como exemplo os campos de dunas no Nordeste brasileiro. Abaixo deles, existem grandes reservatórios de água doce, que irrigam áreas produtivas. Se o solo é prejudicado, afeta os reservatórios e, consquentemente, a produção agrícola.
“Essa produção de alimentos vai repercutir sobre os centros urbanos”, explica Soraya. “É preciso tratar como uma indústria. Uma importante, mas uma indústria, que precisa ter exigências, respeitar as comunidades locais, ter consulta prévia informada e regulamentada pela Organização Internacional do Trabalho”, acrescenta.
Riscos para vegetação, animais e população do entorno
Na Bahia, ameaças à fauna e flora mobilizaram os ministérios públicos federal (MPF) e estadual (MP-BA), que pediram a suspensão de todas as licenças ambientais – prévia, de instalação e de operação – concedidas ao Complexo Eólico Canudos, na região do Raso da Catarina. A Justiça Federal atendeu ao pedido em abril do ano passado, mas em julho o Tribunal de Justiça do estado derrubou a decisão e autorizou a retomada das obras.
Em 2019, associações de comunidades tradicionais manifestaram preocupação com a instalação do parque eólico e os impactos que ele poderia causar sobre a fauna e a vegetação. Na denúncia enviada ao MP-BA, elas afirmaram que o parque eólico se situa entre dormitórios e sítios de reprodução da arara-azul-de-lear, ave que está em risco de extinção, entre outras espécies, ameaçando também árvores de corte proibido.
No estado vizinho, estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) constatou danos à saúde da população do entorno de um complexo eólico na comunidade de Sobradinho, município de Caetés. Segundo o levantamento, 70% dos moradores da comunidade tomam remédios de uso contínuo e 64%, medicamentos para dormir. As casas ficam a uma distância média de 411 metros dos aerogeradores.
Uma das principais queixas é sobre a poluição sonora: moradores a comparam a uma turbina de avião que nunca desliga. Roselma de Oliveira, que mora a 160 metros de uma torre geradora, relatou à Agência Brasil problemas de alergia, perda auditiva, depressão e ansiedade. “Crianças, para dormir, tem que ser à base de medicamentos. A gente não dorme. A gente cochila e acorda com aquele barulho terrível que é”, disse ela em reportagem publicada no ano passado.
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) avaliou outro aspecto da instalação dos parques: os contratos de arrendamento. O proprietário que arrenda seu terreno para a instalação de turbinas pode receber de 1% a 1,5% da receita gerada pelo aerogerador. No entanto, o Inesc detectou assimetrias que favorecem as empresas, como renovações automáticas e possibilidade de rompimento apenas pela empresa, segundo relato da “Folha de S.Paulo”.
Renováveis substituem problemas maiores por menores, mas ainda significativos
“A transição não é apenas uma mudança de fontes energéticas. Ela reflete uma profunda transformação em nossa infraestrutura, economia, e na relação da sociedade com o meio ambiente”, avalia Guilherme Syrkis, diretor-executivo da organização Centro Brasil no Clima.
Segundo ele, ao adotar energias renováveis, como solar e eólica, substitui-se problemas maiores relacionados aos combustíveis fósseis – como a poluição e as emissões de gases de efeito estufa – por desafios menores, mas ainda significativos.
“Estes incluem o impacto ambiental de novas instalações e o ciclo de vida das baterias de veículos elétricos. É crucial reconhecer que, embora menores, estes novos problemas exigem soluções inovadoras e um compromisso contínuo com a melhoria”, diz.
Ricardo Assumpção, sócio-líder de ESG para a América Latina Sul e CSO da EY Brasil, diz que as empresas interessadas em construir parques eólicos ou solares precisam avaliar os riscos na cadeia de suprimentos.
“Atualmente, há diversos estudos que estão sendo desenvolvidos para avaliar o impacto dessas infraestruturas, que podem ser analisadas em duas vertentes pelo mercado: não há impacto relevante ou passa a ser relevante com o passar do tempo”, diz.
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Fonte: Notícias ao Minuto