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Foi como se, às vésperas da Copa do Mundo, um tsunami atingisse o mercado de publicidade, marketing e divulgação do torneio.
Pouco antes do início do Big Brother Brasil, que estreou no dia 8 de janeiro, perfis de fofoca em redes sociais entraram na berlinda graças à crise que engolfou a agência Mynd, a maior do setor —o chamado marketing de influência.
Fundada em 2017 pela jornalista e psicóloga Fátima Pissarra, a Mynd diz ter 450 agenciados, 400 funcionários e faturamento anual de R$ 350 milhões.
Entre as celebridades da casa estão as cantoras Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Cleo e Preta Gil e influenciadores como Deolane Bezerra (ex-A Fazenda), Gil do Vigor, Babu Santana, Thelminha e Thais Braz (todos ex-BBB).
A agência e Pissarra (sua CEO) passaram a ser atacadas nas redes sociais por sua associação com perfis de fofocas na esteira do suicídio da jovem Jéssica Canedo, que tinha sido alvo de mentiras difundidas por contas do tipo em redes sociais.
O maior desses perfis, o Choquei, já foi agenciado da Mynd e, mesmo quando deixou de sê-lo, firmou contratos pontuais com a agência. Outro, o Garoto do Blog, o primeiro a espalhar as mentiras sobre Jéssica, era cliente da empresa quando o escândalo estourou —a Mynd diz que suspendeu o contrato enquanto aguarda as investigações da polícia sobre o caso.
Garoto do Blog, Choquei e outros perfis de fofocas, alguns também agenciados pela Mynd —que mantém uma divisão só para clientes do tipo, a Banca Digital—, espalharam diálogos inventados entre Jéssica e o humorista Whindersson Nunes. A jovem passou a ser enxovalhada nas redes, pediu para apagarem os posts (foi ignorada) e dias depois se matou.
A Mynd —cujos contratos com perfis de fofoca afeitos à desinformação e a publicações coordenadas já tinham sido objeto de reportagens do UOL e dos sites Núcleo e Aos Fatos em 2021 e 2022— voltou a ser escrutinada, desta vez com forte componente político.
Veículos, perfis e parlamentares antipetistas e bolsonaristas acusam a Mynd de ser uma versão esquerdista do “gabinete do ódio” que marcou o governo passado.
A primeira empresa de Pissarra, a Music2 (que também é a razão social da Mynd e nasceu em 2012), promoveu ações publicitárias e fez contratos com a gestão Dilma Rousseff (PT), mas a Mynd também atuou com os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). A verba pública, diz Pissarra, representa menos de 0,5% do faturamento da Mynd —de fato, dados do Portal da Transparência do governo federal mostram 15 contratos entre 2014 e 2020 totalizando R$ 1,1 milhão.
Engrossou o caldo o fato de a Mynd ter feito em 2022 uma campanha incentivando os jovens a tirar título de eleitor —nessa faixa etária, Lula tinha ampla vantagem sobre Bolsonaro— e de muitos dos seus agenciados declararam voto no petista.
Os ataques à Mynd e a Pissarra cresceram depois que um vídeo do influenciador Daniel Penin associando a agência e a empresária à tragédia se espalhou pela internet.
Só depois que o vídeo já tinha mais de 4 milhões de visualizações, o YouTube colocou um alerta de que “o conteúdo a seguir pode conter temas sobre suicídio ou automutilação”.
Hackers vazaram contratos da empresa. Pissarra diz que ela e sua família têm sofrido ameaças.
Ela associa os ataques à política de diversidade de sua agência, na qual mais de 50% dos funcionários são negros, mulheres e LGBTQIA+. Mas recusa ter responsabilidade no caso, pois diz que a Mynd só faz venda de publicidade para seus contratados, sem interferir no conteúdo.
Pissarra trabalhou em multinacionais como Nokia e Vevo —nesta nos Estados Unidos. Sua primeira empresa de porte, a Music2, surgiu como representante da Vevo no Brasil, para agenciar artistas, principalmente da música.
Em 2017, a executiva criou a Mynd, com o publicitário Carlos Scappini e Preta Gil —a cantora, no entanto, não aparece no quadro de sócios no cadastro na Receita Federal, Scappini sim.
A maior empresa é a Music2 Publicidade Digital Ltda., de Pissarra e Scappini, com capital social de R$ 2,2 milhões. Eles têm também uma produtora (Alumia), uma empresa para vender produtos de seus agenciados (House of Brands) —exemplo: um perfume de Luísa Sonza— e, juntos ou separados, participam de negócios tão diversos como a operação brasileira do site BuzzFeed (junto com Murilo Henare, dono da Banca Digital e parceiro na Mynd) e da revista Billboard ou o restaurante Altar Cozinha Ancestral, da chef Carmem Virgínia —neste, Sonza é sócia das duas.
Sócia da consultoria Youpix, uma das pioneiras do setor, Rafa Lotto lamenta o estrago causado pelo episódio. “É péssimo para todo o movimento de influência, porque a influência não é o site de fofoca, mas todo o mercado está sofrendo por causa de 20 perfis que não têm responsabilidade”, afirma.
“Claro que é interessante para os agentes que o conteúdo dos seus agenciados seja atraente e seguro para as marcas, mas eles não recebem pelo conteúdo. Acho que a Mynd está sofrendo uma reação muito maior do que necessário por um desentendimento de como é o modelo de negócio deles e de todos os agentes, que é ganhar dinheiro na intermediação”, diz a executiva da Youpix, que defende a Mynd e Pissarra.
Procurado, o IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau), que reúne empresas de publicidade digital, não quis se manifestar.
Ana Paula Passarelli, fundadora da agência Brunch, que atua no mesmo mercado que a Mynd, mas com bem menos clientes (45, entre os quais ela destaca as Avós da Razão e a Família Quilombo), defende que qualidade do conteúdo é mais importante que número de seguidores, critica o que chama de “marketing de amplificação”, aquele voltado ao “movimento de enxame”.
“O marketing de influência se foca em buscar lideranças de comunidade para falar de produtos e serviços, para essa comunidade conhecer esse produto e eventualmente comprá-lo. No marketing de amplificação você não precisa de uma comunidade. Você precisa fazer barulho.”
Passarelli observa que os casos de Jéssica e do PC Siqueira (morto em dezembro e também difamado por hordas digitais) “estão criando rachaduras de confiança” no mercado no momento em que um ambiente inflado por uma “superpopulação de influenciadores” se ressente da falta de profissionalização (“porque é uma atividade com uma baixa barreira de entrada, basta acesso à internet para que alguém se torne um influenciador”) e falta da regulação.
Ela defende a criação de um código de conduta e de ética para influenciadores —hoje há apenas um guia do Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária—, mas com a participação dos criadores de conteúdo.
Pissarra, Lotto, Passarelli, Whindersson Nunes e autoridades como o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, concordam que é necessária alguma regulação na atuação de influenciadores, seja no âmbito do PL das fake news, que tramita no Congresso, seja em uma legislação à parte.
Para Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab —centro de estudos e pesquisa que atua nas áreas de direito e tecnologia—, o caso da Mynd precipita uma série de discussões regulatórias e de políticas públicas.
“Quais são as práticas adequadas de transparência desses atores perante a audiência? Quais os conflitos de interesse que emergem do agenciamento e venda em pacote de campanhas em perfis de fofoca de celebridades, de um lado, e de celebridades, de outro?”, questiona.
Como o PL das Fake News já debate regras para as plataformas sobre publicidade digital, ele considera “que é o caso sim de enfrentarmos a discussão sobre o papel de outros atores desse ecossistema, como influenciadores, agências e empresas de comunicação”.
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Fonte: Uol