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A morte brutal de Julieta Inés Hernández Martínez será sempre uma lembrança dolorosa da histórica falta de liberdade da mulher, que deve ponderar e rezar por sua vida quando decide viajar sozinha. O que deveria ser um direito para todas nós é uma inaceitável questão de sorte. Sorte em não encontrar com abusadores. Sorte em encontrar um lugar seguro para passar a noite.
No próximo dia 23, a morte de Julieta completa um mês, e essa ferida está longe de cicatrizar. Para quem não soube, a artista e palhaça venezuelana viajava pelo Brasil de bicicleta até se hospedar em uma pousada em Presidente Figueiredo, no Amazonas.
Julieta ficou dias desaparecida até seu corpo ser encontrado, com sinais de violência sexual e tortura. Os donos da pousada —um homem e uma mulher— confessaram os atos vis e estão presos.
Diversas cidades ao redor do país e do mundo vêm registrando atos em solidariedade e denúncia ao ocorrido. A violência sexual a que foi submetida não será jamais esquecida, assim como a dor das pessoas que a amaram. A comoção tem sido do tamanho de sua vida — uma jornada de amor, de êxito em trazer o sorriso e o conforto onde fizesse suas brincadeiras, de construir um mundo em que as mulheres pudessem viver uma vida mais leve.
Miss Jujuba, uma de suas personagens mais marcantes, que tanto causou a divina manifestação do sorriso, encontrou grande perigo na esquina. Penso que nos assombra o fato de que o que ela sofreu poderia ter acontecido com muitas de nós —como, de fato, acontece.
Foi o caso de María José Coni e Marina Menegazzo, jovens argentinas assaltadas, violentadas sexualmente e mortas no Equador em 2016, enquanto viajavam. A escritora paraguaia Guadalupe Acosta escreveu “Ontem Me Mataram”, texto eternizado na luta pelos direitos das mulheres e que é um desabafo sobre os casos de Maria, Marina, Julieta e tantas mulheres que são mortas e têm suas memórias vilipendiadas com questionamentos desonestos como “por que viaja sozinha?”.
Segundo Acosta: “Ontem me mataram. Neguei-me a deixar que me tocassem e com um pau arrebentaram meu crânio. Me deram uma facada e me deixaram morrer sangrando. Como lixo, me colocaram em um saco de plástico preto, enrolada com fita adesiva, e fui jogada em uma praia, onde horas mais tarde me encontraram”.
“Mas, por ser mulher, é minimizado”, continua. “Torna-se menos grave porque, claro, eu procurei. Fazendo o que queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não ficar em casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos. Por isso e muito mais, me condenaram.”
“E sofri, porque já não estou aqui. Mas você está. E é mulher. E tem de aguentar que continuem esfregando em você o mesmo discurso de ‘fazer-se respeitar’, de que é culpa sua que gritem que querem pegar/lamber/chupar algum de seus genitais na rua por usar shorts com 40ºC de calor, de que se viaja sozinha é uma ‘louca’ e, muito seguramente, se aconteceu alguma coisa, se pisotearam seus direitos, você é que procurou.”
“Peço a você que, por mim e por todas as mulheres que foram caladas, silenciadas, que tiveram sua vida e seus sonhos ferrados, levante a voz. Vamos brigar, eu ao seu lado, em espírito, e prometo que um dia seremos tantas que não haverá uma quantidade de sacos plásticos suficiente para nos calar.”
Que questionemos ao senhor governador do Amazonas, Wilson Lima. Por que o senhor está em silêncio? Por que nem sequer houve solidariedade diante de um crime que chocou o mundo? Por que o Amazonas registra índices de feminicídio que têm se multiplicado nos últimos anos? Em razão do caso e da situação de calamidade no estado, quais são as políticas públicas que serão adotadas em defesa da mulher? E os demais governadores da Amazônia Legal, quais são e serão as medidas de segurança adotadas para as mulheres?
Nós temos direito à paz e é dever do Estado e de toda a sociedade civil a construção de uma sociedade na qual seja possível a qualquer pessoa viajar para transformar os lugares por onde passa.
Não foi possível para Julieta Hernández. Mas que nós, mulheres, sigamos sendo sua voz, covardemente abafada.
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Fonte: Uol