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A sinopse é sensacional. Ela supera a maior parte dos roteiros de filmes de ficção sobre desastres aéreos.
Um avião cai em uma região remota da cordilheira dos Andes em outubro de 1972 e um grupo de jovens amigos sobrevive por 72 dias na neve, sem terem meios para encontrar comida.
O grupo só é encontrado depois que dois sobreviventes caminham por dias pela cordilheira para procurar ajuda, sem roupas de frio nem equipamento adequado. Eles causaram um frenesi da imprensa internacional no seu retorno ao Uruguai.
A história é real e inclui ainda um detalhe horripilante: sem terem o que comer, os passageiros do voo 571 da Força Aérea Uruguaia só conseguiram sobreviver se alimentando dos corpos dos colegas mortos no acidente.
O caso ficou conhecido como “O Milagre dos Andes”. Ele foi contado duas vezes na tela grande, por um documentário e por um filme de Hollywood —”Vivos” (1993), de Frank Marshall, estrelado pelo ator Ethan Hawke.
O acidente também inspirou a série de TV “Yellowjackets”, liderada por mulheres e indicada para o Emmy. Nela, após um desastre de avião, um grupo de adolescentes enfrenta a mesma espécie de escolhas dos sobreviventes do voo 571 e os traumas gerados pela experiência nos anos que se seguiram.
Agora, um longa-metragem em língua espanhola, “A Sociedade da Neve”, conta a história do acidente.
O filme do espanhol Juan Antonio Bayona (que também dirigiu “O Impossível”, de 2012) é inspirado no livro de mesmo nome, publicado em 2008 pelo jornalista e amigo dos sobreviventes Pablo Vierci, também um dos produtores do longa.
Bayona vem trabalhando na preparação do filme desde 2011.
Ele realizou extensas entrevistas com os sobreviventes. Um deles, Carlitos Páez, interpreta seu próprio pai na obra.
Os atores são principalmente argentinos e uruguaios, sem experiência internacional.
Até hoje, a sinistra história dos sobreviventes do desastre de avião que recorreram aos corpos dos passageiros mortos como alimento causa aversão em algumas pessoas e fascinação em outras. Mas este detalhe da história ocupa pouco espaço em “A Sociedade da Neve”.
A forma de lidar com o tema rendeu elogios a Bayona. O filme traz dignidade, sem explorar indevidamente o canibalismo, que é observado principalmente à distância ou acontece fora da tela.
O diretor defende que este não é o objetivo do filme.
“Esta é uma história horrível que não se concentra no horror”, ele conta.
“A forma como abordamos o incidente é exatamente o oposto. Ela se concentra no aspecto humano e na amizade, na extrema generosidade entre cada um deles.”
‘Eles fizeram muito mais do que aquilo’
A generosidade mencionada por Bayona inclui um pacto realizado entre vários dos sobreviventes do acidente. Eles ofereceram seus corpos como alimento para os demais se viessem a morrer.
Ao cair nos Andes, o avião tinha 45 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes. Amigos, famílias e jogadores do time de rugby Old Christians viajavam de Montevidéu, no Uruguai, para disputar um jogo no Chile.
Trinta e três pessoas sobreviveram ao acidente, mas apenas 16 deles, todos homens jovens, foram resgatados.
“Fiz muitas entrevistas com eles”, conta Bayona. “Na época, eles eram jovens que estudavam na faculdade. Alguns estudavam medicina ou direito, alguns eram religiosos e outros, não.”
“Temos uma cena no filme que é uma longa conversa entre eles sobre fazer ou não uso dos corpos. Ela é baseada nas conversas reais que tivemos com eles.”
O ator uruguaio Enzo Vogrincic, que interpreta o narrador do filme, Numa Turcatti, espera que o público observe o que ele acredita ser “muito mais” sobre a história de sobrevivência do que os eventos de canibalismo.
“As pessoas que realmente não conhecem toda a história provavelmente sabem desta parte específica”, conta ele à BBC. “Considero um sucesso de Bayona incluir a questão como pano de fundo e mantê-la fora da tela ao máximo possível. Afinal, aquilo foi apenas um veículo para que eles sobrevivessem.”
Para Vogrincic, o canibalismo “não é a história em si. Eles fizeram muito mais.”
Ele conta que sentiu “frio e fome o dia inteiro” durante as filmagens, que ocorreram principalmente nas montanhas de Sierra Nevada, na Espanha.
Os atores vestiram na neve roupas inspiradas nos anos 1970 e também perderam peso, sob supervisão médica, para recriar o estado físico dos personagens depois de tantas semanas em uma região selvagem.
“Não acho que haveria outra forma de filmar e contar a história de forma adequada.” Para ele, “aquilo realmente nos ajudou a melhorar ainda mais a nossa atuação”.
“Também dissemos que ‘quando as famílias virem o filme, quando os sobreviventes virem o filme, queremos que seja real, queremos que seja verdadeiro para eles’.”
Condições terríveis
Antes das filmagens, Juan Antonio Bayona visitou o Vale das Lágrimas, nos Andes, onde caiu o avião uruguaio. O diretor teve então sua própria amostra de como devem ter sido terríveis as condições no local.
“Não senti frio porque tinha meu saco de dormir na minha tenda”, ele conta.
“Eu estava protegido, mas, quando acordei de manhã, minha garrafa de água era um bloco de gelo.”
“Como eu não tinha um terceiro dia para me acostumar com a altitude, tive a pior noite da minha vida. Meu coração batia super rápido todo o tempo, fiquei confuso e fora de mim.”
“Perdi também totalmente o sentido do tempo”, prossegue ele. “E pensei ‘esta é só uma noite para mim, aquelas pessoas passaram mais de 70 noites aqui, vestindo roupas inadequadas, eles não estavam preparados’.”
“Aquilo coloca você no contexto da situação, como foi épico sobreviver por 72 dias nessas condições.”
As 16 pessoas resgatadas do acidente também sobreviveram a uma avalanche, que soterrou o avião dias após a queda.
Depois de saberem que a busca por sobreviventes foi interrompida, dois jovens do grupo —Nando Parrado e Roberto Canessa— atravessaram a cordilheira sem equipamento adequado para tentar conseguir ajuda. E, cerca de dez dias depois, eles finalmente encontraram um grupo de agricultores chilenos.
Bayona destaca que Parrado e Canessa não esperavam sair vivos daquela experiência.
“Em um momento fundamental daquela história, os personagens desceram cegamente a montanha, sem destino claro e para a morte certa. Para mim, é um ato de dignidade”, declara o diretor.
“Aqueles que morreram incentivando seus companheiros também expressaram dignidade”, prossegue Bayona.
“Esses comportamentos são o resultado de uma profunda transformação. Em uma situação de completo abandono, quando tudo foi tirado de você, você pode escolher como irá morrer.”
“A Sociedade da Neve” foi indicado ao Globo de Ouro de melhor filme em língua não inglesa e é o concorrente espanhol ao Oscar de melhor filme internacional.
Vogrincic destaca a importância de ter algo que documente uma das histórias mais famosas do Uruguai no seu próprio idioma.
“Acho que o fato de ser contada em espanhol muda tudo”, afirma ele.
“Nós, que somos da região, podemos realmente entender a história com mais profundidade, já que ela está dentro de nós.”
“Nós nascemos com a história. E, quando você está falando para os familiares, não há intermediários, existe uma ponte direta. Estamos falando o mesmo idioma, de forma que podemos nos entender diretamente.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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Fonte: Uol