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A situação do futebol brasileira é tão crítica que nos força a sonhar. Diante do mar de lama que vem há anos desgastando a imagem da “pátria de chuteiras”, só nos resta a imaginação. “Sonhar não custa nada”, dizia um samba-enredo dos anos 1990. E quem sabe sonhar não ilumine o que poderíamos ser, libertando-nos da mediocridade do presente. Muitos sonhamos com um time que esteja à altura dos melhores da Europa. Eu queria mais. Gostaria de ver a força popular do futebol movimentando nossa democracia, tornando-a mais plena.
Recentemente, um escândalo de marca maior na CBF fez o dirigente Ednaldo Rodrigues cair e voltar ao poder numa maracutaia abençoada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF. Reempossado, Ednaldo trocou o técnico Fernando Diniz por Lourival Júnior. Adiantará? Estamos carecas de saber que, apesar do técnico ser importante, o calcanhar de Aquiles do futebol brasileiro não são apenas nossos técnicos, mas sobretudo a máfia instaurada há décadas na CBF.
Para subverter o mando dos dirigentes da CBF, por que não mudar a forma como se elege o técnico? Atualmente quem elege o técnico são os nossos cartolas, blindados em castelos de politicagem privada. O futebol nacional não deveria ser monopólio de meia dúzia de chefões mafiosos. Ainda somos a “pátria de chuteiras” e nos vemos um pouco como técnicos nós mesmos. E se, tal como numa democracia representativa, elegêssemos o técnico da seleção?
Vejam que maravilhosa coincidência: as Copas do Mundo usualmente (a exceção foi 2022) acontecem pouco antes das eleições presidenciais do Brasil. E se aproveitássemos as eleições presidenciais para, junto com outros cargos de poder, elegermos também o técnico da seleção?
Em minha utopia futebolística proponho que os elegíveis sejam os técnicos do campeonato brasileiro. O mandato duraria quatro anos, assim como o de um presidente. O mais votado seria técnico da Seleção. O segundo mais votado seria o vice, a postos para assumir caso seja necessário, assim como um vice-presidente a seu titular. A validação democrática daria respaldo ao escolhido, que ficaria menos refém dos cartolas de sempre. Diante do desempenho durante a Copa do Mundo ao fim do mandato, o técnico poderia ser reeleito, caso fosse do interesse popular.
Caso um técnico tivesse desempenho ruim, ele não poderia ser derrubado por motivo torpe. Caberia no máximo a renúncia. Espero que assim o povo compreenda que votar é um direito que também carrega ônus: é preciso nos responsabilizar pelas escolhas. Se a democracia formal ainda não fez o povo entender isso, quem sabe o futebol não seja essa porta de compreensão? Pensemos bem antes de escolher. Teremos que conviver com o técnico eleito pelos próximos quatro anos. De nada adiantará chamá-lo de “burro” nas arquibancadas.
Apesar de todos os reveses, nosso futebol ainda lateja espírito democrático. É o lugar onde negros, brancos e indígenas são iguais. Conseguimos como sociedade criar no futebol (e também na música) uma instância verdadeiramente meritocrática e democrática. Não basta ser filho de Pelé ou de Zico para ser grande jogador. É preciso provar nas quatro linhas. E a bola é redonda para todos.
O futebol pode e deve servir de guia para uma sociedade verdadeiramente democrática, onde todos tenham oportunidades iguais. Para conquistar essa utopia é preciso democratizar o futebol, fazendo valer seu latente espírito democrático também para fora das quatro linhas.
Alguns colegas meus já criticaram esta utopia. Ora, Gustavo, com tantos problemas nacionais, vamos escolher o técnico em meio a eleição presidencial? É a velha visão de que o futebol deve permanecer no máximo como mero circo e jamais abrir as portas de nossa democracia. Mas, se o povo sempre deu mais importância ao futebol do que à política, por que não unir estas pontas? Quem sabe o futebol não traga a vitalidade necessária à nossa democracia política formal. Desde a democracia corinthiana dos anos 1980, em meio às Diretas Já, não vivemos nada semelhante. Quem sabe das trevas de nossa condição atual não surja esta possibilidade.
Reacionários, contrários à qualquer utopia, afirmam: “ora, daqui a pouco o pessoal do vôlei vai querer escolher o técnico também!” Eu respondo: que maravilha! Isso se chama democracia, participação ativa da sociedade civil em sua própria autorrepresentação. Quem sabe os alemães, ingleses e japoneses não saiam às ruas querendo imitar nossa utópica democracia futebolística eleitoral. Seria lindo.
Antigamente, quando se votava em cédula de papel, havia custos em se adicionar mais um pleito. Agora não mais. Votamos nas urnas eletrônicas e não gastamos papel. E aqueles que não se interessam por futebol? Estes podem anular o voto. Ou então poderíamos discutir a sério por que o voto é obrigatório no Brasil. Olhaí o futebol abrindo novos horizontes!
Indo além da urna eletrônica, meu sonho era que a eleição para técnico da seleção fosse feita através do celular via CPF, um voto por pessoa. Já temos tecnologia para isso! Por que ainda precisamos ir às urnas? Quem sabe não testamos este novo modelo de democracia mais direta na eleição para técnico da seleção e depois, já com know-how suficiente, poderíamos replicar este processo na eleição para cargos políticos. Cedo ou tarde as urnas eletrônicas serão superadas. Que seja o futebol a nos abrir este caminho!
Duvido que os cartolas da CBF gostem de tal proposta. Eles querem que o futebol continue sendo administrado por uma empresa corrupta. Diante disso, somos confrontados com a seguinte questão: por que uma entidade privada representa nosso futebol? Será que a instância símbolo do futebol nacional não deveria ser pública? Estatizar a CBF deveria ser um tema de pauta sério, caso queiramos realmente catalisar nossa democracia. Não tem cabimento uma empresa privada representar um país.
O futebol ampliará as portas de nossa democracia. Sonhar não custa nada.
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Fonte: Uol