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“Um minuto é tempo demais em televisão”, afirma Fernando Bandeira de Mello Aranha, protagonista de “Vida ao Vivo”.
Em seu novo romance, Ivan Angelo cria um personagem que sabe bem o valor de cada segundo na gramática televisiva —ele lidera 57 empresas e está habituado a conjugar verbos de ação. Mandar, decidir e cortar são algumas das atividades há décadas no cotidiano do magnata da mídia brasileira.
Mas, agora, Aranha quer contar a sua história. Para tanto, durante as 18 noites que estruturam a narrativa, entra ao vivo em um de seus canais de televisão para expor passagens nada discretas de seus 77 anos de vida.
As confissões têm um motivo. O empresário quer encontrar a mulher desconhecida presente em uma antiga fotografia, na esperança de que seja uma espécie de anjo redentor. “Apareça, moça”, suplica, oferecendo uma cifra enorme como recompensa.
Na vida concreta, ele conheceu êxito na profissão, tragédias familiares e afetos desfeitos. Rico, está enclausurado há 18 anos na cobertura de um prédio em São Paulo que supre todo tipo de excentricidade. A fortaleza de luxo é o espaço para se encastelar a salvo de possíveis sequestros e novas contaminações, já que sobreviveu com muitas sequelas ao vírus da Covid. Falta fôlego; sobram relatos.
O formato narrativo das noites sucessivas remete a um modelo oriental no qual contar histórias equivale a sobreviver. Na escuridão do estúdio caseiro prolifera a exposição de verdades íntimas, tendo como horizonte um público ávido por notícias.
O astro principal ocupa o horário nobre e promete revelações comprometedoras, nem sempre cumpridas. “Falo eu aqui o que quiser, quando eu quiser”, sustenta. Aos longos monólogos se contrapõem as reações do dia seguinte, comentando, se solidarizando e por vezes ridicularizando seu autor.
Mensagens de WhatsApp, postagens de blogueiros, clippings, telefonemas e cartas formam uma polifonia de vozes que dão a ver diferentes perspectivas, criando uma arena discursiva que descentraliza o discurso autoritário do protagonista.
Ivan Angelo volta a testar modelos narrativos, característica dessa prosa marcada pela ousadia formal e forte teor político, como em “A Festa”, de 1976, romance fundamental da ficção brasileira que sofreu o impacto da censura nos anos 1960.
Escritor de longeva atividade, aos 87 anos, Angelo publicou contos, ensaios, novelas, romances e livros infantis. O uso do fragmento como elemento estruturante do texto retorna em “Vida ao Vivo”, junto à exploração de técnicas de outras linguagens, como o jornal e a televisão.
“Por que ele não faz esse derrame de palavras num confessionário com um padre ou num sofá de psicanálise?”, questiona um espectador. O palanque desejado é outro; Aranha busca identificar a misteriosa mulher enquanto disserta sobre todo tipo de assunto. Cita de Clarice Lispector a Shakespeare. Mas não vê valor na grafia das palavras a ponto de escrever as próprias memórias —para que se lançar ao trabalho intelectual da escrita, quando na TV ele alcança milhões de pessoas?
De sua fala, surgem tiradas saborosas e também os lugares comuns da alta burguesia de que faz parte. No entanto, sobra algum didatismo, já que o narrador insiste em fazer lembretes excessivos —quem foi Paul Valéry, o que escreveu Pedro Nava, qual o significado da figura do anjo para Rilke.
A ironia suprema da obra se configura no gesto de dar centralidade a um narrador que, a despeito do poder e da classe social, vê seu discurso atingido pelas palavras alheias. Um Cidadão Kane à brasileira, que despreza o público iletrado disposto apenas ao consumo de imagens, mas protagoniza um relato escrito encenando seu ocaso em rede nacional.
Em um tempo de disputa de versões, a leitura de “Vida ao Vivo” ganha múltiplos sentidos, por trazer a engenhosidade de Angelo na devassa da elite do país sob a luz dos refletores.
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Fonte: Uol