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A firmeza nas mãos chama a atenção. Enquanto a esquerda gira um torninho de mesa, a direita segura um pincel que fileta as peças brancas de porcelana. Aos 89 anos, o artista e ceramista Yasuichi Kojima finaliza mais uma encomenda de vasos para um templo budista de São Paulo.
Aprendeu o ofício com o pai e depois formou-se pela Escola de Cerâmica Industrial de Tajimi, localizada na província de Gifu (centro do Japão), de onde saiu aos 19 anos, em 1953, para o Brasil. A família havia sido atingida pelos reflexos da recessão que assolou o país, derrotado na Segunda Guerra Mundial. “Depois da guerra, não tinha mais como melhorar a vida. Nós comemos até capim na rua.”
Após 45 dias de viagem, chegou ao Porto de Santos com uma mala e apenas US$ 50. “Em um ano já sabia cantar música brasileira”, lembra.
Por aqui, o primeiro emprego foi em uma fábrica de cerâmica em São Caetano do Sul, no ABC Paulista. Morava no alojamento dos funcionários, porém o patrão decidiu cobrar aluguel pelo espaço. Não aceitou pagar. Vendeu sua máquina fotográfica, comprou telhas, alguns pedaços de tábua e construiu um barracão para morar ali perto.
“Estudava as leis do trabalho, sabia que quando pedisse a conta, teria direitos. Eu tinha várias férias acumuladas”, lembra o artista, que trabalhou ininterruptamente por cinco anos. Para receber todos os direitos trabalhistas, “cavou sua demissão”: passou a fabricar katanas (espadas japonesas) no horário do trabalho. Foi demitido e recebeu a indenização.
Com ela e mais o dinheiro economizado, deu entrada em um terreno de 5.800 metros quadrados no bairro Feital, em Mauá, também no ABC. É ali onde funciona até hoje a fábrica de porcelana Kojima.
Os pais e irmãos chegaram ao Brasil em 1959, período em que ainda não havia energia elétrica na região. Juntos levantaram paredes, fornos e chaminé.
Com a chegada da água e da eletricidade, a vida da família mudou. O fato de Kojima ter se naturalizado brasileiro trouxe algumas vantagens, como o crédito. A produção de porcelana ganhou notoriedade na região, e eles passaram a vender louças para muitos restaurantes. A proximidade com a linha férrea e o Porto de Santos também contribuiu para o escoamento da produção.
Hoje, já não vende como antes. “Muitos locais preferem baquelite [uma resina sintética]. A porcelana quebra muito e sai caro”, explica. As atuais encomendas chegam de alguns templos e estabelecimentos japoneses. Sua técnica é reconhecida e homenageada em vários locais, como o Museu do Ipiranga, em São Paulo, que desde 2003 exibe uma vitrine com algumas de suas produções.
A pintura também é uma de suas grandes paixões. Na década de 60, estudou com os artistas Manabu Mabe, Takaoka e Nakajima. “É como uma terapia, não precisa pensar em nada e não paga imposto”, brinca.
A sede da Porcelana Kojima é tomada por milhares de moldes de vasos e diversos quadros que contam a história da família. Um dos que mais gosta é o da visita do imperador japonês Showa ao local de trabalho do pai, em 1957.
Casado com a também artista Moriyo Kojima, 87, ele ri ao contar que o relacionamento foi arranjado por um padrinho (miai, em japonês). “Ele me apresentou oito pretendentes antes.”
O matrimônio ocorreu três meses após o primeiro beijo. Juntos tiveram três filhos. Dois homens, que vivem aqui, e uma filha, que mora no Japão. Ele conta com orgulho que os filhos são os engenheiros responsáveis pela instalação das placas de energia elétrica da fábrica, mas lamenta que nenhum deles tenha se interessado em dar continuidade ao legado da família na cerâmica. “No dia em que eu morrer, morre a técnica, morre a fábrica, morre tudo.”
Na loja da fábrica, uma placa no chão relembra a data da última fornada: 10 de julho de 2021. Depois de 61 anos, passou a utilizar fornos elétricos nas produções. Centenas de vasos, bules, conjunto de xícaras, pratos, molheiras de shoyu e enfeites religiosos estão à venda. Os preços estão marcados à mão, assim como as informações em português e japonês detalhadas no verso de todas as fotos que exibiu para a reportagem.
Sobre uma das bancadas da loja, uma caixa organizada com algumas porcelanas e garrafas de saquê. O dono de uma fala tranquila distribuiria esses mimos no dia seguinte, quando daria uma oficina de ikebana (arranjos florais) para alunos de Ribeirão Pires, outra cidade da região.
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Fonte: Uol