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Uma garota vive na Irlanda rural da década de 1980. Sua casa de paredes desbotadas e móveis gastos é divida entre uma mãe submissa, um pai autoritário e cinco filhas —e o sexto está a caminho.
Cáit, de 9 anos, reage apenas com o silêncio à escassez e à família disfuncional. Sua retração é acompanhada por um olhar atento, guiado pelos imensos olhos azuis da atriz Catherine Clinch, que encaram as pessoas a sua volta como se quisessem interpretar seus comportamentos frios.
Até que Cáit é deixada, sem muitas explicações, na fazenda da prima do pai para passar o verão. Assim inicia a trama de “A Menina Silenciosa”, filme de Colm Bairéad, que acompanha a aproximação da menina de seus cuidadores temporários, um casal de meia-idade.
Nas lacunas entre diálogos, enquadramentos sobre gestos e o uso de câmera lenta parecem transmitir os sentimentos ainda em elaboração da personagem interpretada por Clinch, considerada por Bairéad o ponto gravitacional do filme. Ela foi escolhida para o papel após sete meses de tentativas.
O longa é uma adaptação do romance “Foster”, de Claire Keegan, um retrato da infância de uma criança introvertida, com dificuldades de entender o mundo dos adultos, que não sabem como expressar seus próprios sentimentos, vivendo infelizes.
Com a conquista de dois prêmios no Festival de Berlim, em fevereiro de 2022, e a indicação para melhor filme internacional no Oscar deste ano, tornando-se o primeiro irlandês a concorrer na categoria, o longa se juntou a outros dois filmes que tiveram boa projeção fora do país, “Belfast”, de Kenneth Branagh e “Os Banshees de Inisherin”, do inglês Martin McDonagh —este último, apesar de ser uma produção americana, foi gravado na Irlanda.
“Pareciamos um time de futebol viajando”, afirma Colm Bairéad, o diretor, se referindo ao encontro com o elenco de “Os Banshees de Inisherin” na última cerimônia do Oscar. O filme de McDonagh concorria a seis categorias, incluindo melhor filme e direção.
Mas o que Bairéad não previa era o sucesso de bilheteria que “A Menina Silenciosa” teve na Irlanda, onde o filme ficou em cartaz por mais de um ano. Algo inesperado, dado que a maioria dos diálogos, com exceção das falas do pai de Cáit, são em irlandês.
No livro, a história já era contada a partir do olhar da personagem principal, em fase de aprendizado sobre como se relacionar com o mundo, mas em um ambiente nada propício para se desenvolver de forma saudável.
“O filme precisava abraçar o silêncio, que se torna um personagem”, diz Bairéad, por videochamada. Se em um primeiro momento a ausência de diálogos é fruto da negligência de seus pais, quando a menina vai morar com o casal de parentes, o silêncio se torna um misto de espaço para que ela possa falar com o pesar do luto gerado por uma tragédia precedente a sua chegada na nova casa.
A dificuldade de expressar os próprios sentimentos em palavras é algo “muito irlandês”, segundo o diretor. “Temos dificuldade para articular emoções. Isso possivelmente tem alguma relação com o fato de termos sido colonizados. Usamos no filme a nossa língua nativa, que nosso colonizador tentou erradicar, então seu uso carrega um certo trauma.”
Na década de 1980, quando se passa “A Menina Silenciosa”, a Irlanda vivia conflitos violentos no Norte do país. Enquanto parte da população era à favor de preservar os laços com o Reino Unido, responsável pela ocupação do território, outra parte exigia a independência da região ou sua integração com a República da Irlanda, região Sul, predominantemente católica.
O filme não aborda o conflito diretamente, mas o referencia quando, por exemplo, faz o pai de Cáit, personagem autoritário e negligente, ser o único a falar inglês na trama —em um período em que o ensino da língua irlandesa havia sido proibido pelo Reino Unido.
“O silêncio foi parte da sociedade irlandesa em diferentes sentidos, mesmo depois de ganharmos nossa independência há cem anos”, diz Bairéad.
“São raros os filmes irlandeses falados em língua nativa. Comercialmente não teria sido uma aposta esperta, o que se provou errado. É maravilhoso pensar que, enquanto uma nação que faz filmes, podemos escolher como nos expressamos.”
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Fonte: Uol