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Quando este repórter estava com 15 anos, atualmente prestes a completar 61, e já contava com alguns cursos de música e instrumentos nas costas, além de vários shows e vivências musicais, um álbum, entre tantos de jazz, rock, blues, MPB, música clássica e barroca, o arrebatou: “Clube da Esquina 2”, do exímio cantor e compositor Milton Nascimento. E daí?
Daí que lançado pela EMI-ODEON no formato de LP duplo, em 1978, e em CDs, em 1988 e em 2007, as 23 canções incluídas em “Clube da Esquina 2” introjetaram em mim, além de ritmos deslumbrantes, melodias sublimes e harmonias sensacionais, valores, sentimentos, emoções e noções que carrego até hoje, posto que auxiliaram a formar meu caráter e gosto musical, ofertando também a mim um senso político e social mais amplo. E daí?
Daí que entre as músicas, a última do lado 2, do disco B, canção que encerra o álbum é “E Daí”, de Ruy Guerra e Milton Nascimento. Poeta, dramaturgo, professor e cineasta moçambicano, Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira, 92, radicado no Brasil desde 1958 e que foi casado com as atrizes Leila Diniz (de 1965 a 1971) e Cláudia Ohana (de 1981 a 1984), além da cantora Nara Leão (de 1962 a 1965), “casou” sua poesia com a música inestimável de Milton Nascimento para a trilha do filme “A Queda”, drama escrito e dirigido por Ruy Guerra e Nelson Xavier. E daí?
Daí que “A Queda” foi premiado, entre outras condecorações, com o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim em 1978. O filme traz em sua narrativa a morte torpe oriunda de uma queda sofrida por um operário que trabalhava, sem segurança alguma, na obra de construção do Metrô do Rio de Janeiro. E daí?
Daí que Paula Santoro, considerada na opinião do compositor, guitarrista, violonista e arranjador Toninho Horta como “uma das maiores intérpretes do Brasil”, por ter uma “voz que soa suave quando preciso, mas pode cortar o espaço com firmeza, clareza e também poesia, dependendo do estilo da música”, teve a audácia de gravar “E Daí”, em seu álbum “Sumaúma”, lançado em 2023. E daí?
Daí que Toninho Horta não é o único a valorizar Paula Santoro. O compositor, violonista, arranjador e compositor Edu Lobo também o faz ao mencionar a cantora, dizendo que fica feliz “sempre que ouço minhas músicas interpretadas [por Paula] com liberdade, acima de tudo, e muito talento. Bravo!”. E daí?
Daí que, em minha opinião, a canção “E Daí” nunca deveria ser gravada por mais ninguém em respeito à incomparável voz de Milton Nascimento valorizada ao extremo por sua musicalidade, talento, técnica e pelo arranjo orquestral da faixa apresentada em “Clube da Esquina 2”. E daí?
Daí que, nascida e criada em Belo Horizonte, em meio aos meninos do Clube da Esquina, Paula Santoro registrou em “Sumaúma”, seu sétimo álbum, participações especiais de gente do ramo como João Bosco, João Donato (1934-2023), Toninho Horta, Arthur Verocai e Raul de Souza (1934-2021) em mais nove canções espetaculares, além de “E Daí”. Entre elas, “Ê Lala Lay Ê”, de João Donato e Lysias Ênio; “Caso Você Queira Saber”, de Beto Guedes e Márcio Borges; “Yê Melê”, de Chico Feitosa e Luis Carlos Vinhas; “Sassaô”, de João Bosco; “Na Boca do Sol”, de Arthur Verocai e Vitor Martins; “Coisa Mais Maior de Grande”, de Gonzaguinha; “Sumaúma”, de Alexandre Andrés e Bernardo Maranhão; “Afrikanino”, de Paula Santoro; e “Skindô”, dela com Arthur Verocai. E daí?
Daí que, experiente, Paula Santoro também já dividiu microfones, palcos e estúdios com as cantoras Nana Caymmi, Ângela RoRo, Joyce e Alcione, além de Chico Buarque, Edu Lobo, Guinga, Toninho Horta, Lô Borges, Flávio Venturini, e o próprio Milton Nascimento. Paula já se apresentou em vários estados do Brasil e no exterior sendo uma das poucas artistas brasileiras a ter participado do cultuado programa de TV, “Later with Jools Holland”, da BBC de Londres, na noite em que estavam os rappers Ludacris e Sean Paul, além da cantora Amy Winehouse (193-2011). E daí?
Daí que em “E Daí”, gravada em um dueto corajoso, pois sabe-se que nessa formação é impossível mentir, fingir ou mascarar erros, a voz de Paula Santoro e o piano de Rafael Vernet, com quem Santoro foi casada por 12 anos, promove um verdadeiro encontro musical no qual muito sutilmente alguns erros aparecem, mas bem menos do que as almas musicais gigantes dos dois artistas. Registrada através de um microfone barato, não em um estúdio, mas na casa de Vernet, que tocou em um teclado com problemas em algumas teclas, a transparência na intenção de interpretação de ambos é absurdamente linda, genial, única e humana. E daí?
E daí que Paula Santoro pode não estar elencada na lista das melhores cantoras do Brasil ou do mundo. Seu álbum “Sumaúma” também pode não figurar nas listas de melhores álbuns do ano aqui, ali e acolá. Contudo a cantora e preparadora vocal, após anos de sólida carreira, transcende interpretando qualquer música simplesmente por entender que cantar não se resume em apenas afinar, mas em se despir e mostrar naturalmente a alma sem se preocupar com listas ou posições em rankings em relação às demais cantoras. Paula Santoro sabe que cantar é cantar.
Ouça Paula Santoro cantando “E Daí”, de Ruy Guerra e Milton Nascimento em https://open.spotify.com/intl-pt/track/6IXMkUZnQPniLtfYiCJkPZ?autoplay=true
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Fonte: Uol