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Não há no Brasil festival parecido com o Psica. Realizado em Belém há mais de dez anos, o evento nas suas últimas edições cresceu de tamanho e de importância, e nos últimos três dias reuniu 65 mil pessoas na capital paraense.
Mas mais do que a capacidade de reunir multidões, o Psica se destaca por conseguir dar liga a uma escalação diversa e que celebra o Pará em sua pluralidade cultural sem demagogia. É um evento em que Jorge Ben Jor tem o mesmo peso da rainha do tecnomelody, Viviane Batidão, ou uma equipe de aparelhagem como a Tudão Crocodilo.
Nos bastidores do mercado de música brasileira, são comuns os comentários de que os festivais estão todos iguais, sempre variando em torno das mesmas dez ou 20 atrações. Em um cenário saturado como esse, o Psica é uma opção autêntica tanto pela oferta de atrações quanto pela experiência proporcionada.
Para quem é de fora, foi uma oportunidade de conhecer o estádio Mangueirão, onde o Psica aconteceu no fim de semana, e o bairro Cidade Velha, onde rolou uma espécie de esquenta do evento na sexta (15). A música esteve em interação constante com a arquitetura e o cenário da capital.
No primeiro dia, gratuito, o Psica reuniu Aldo Sena, Mestre Curica e Mestre Solano para uma aula de guitarrada e lambada em um palco colado no rio. Em uma praça há poucos quilômetros dali, Mateus Aleluia deixava seu percussionista —e boa parte da plateia— aos prantos com seu violão e sua espiritualidade.
O dia viveu seu ápice com as aparelhagens Lendário Rubi, considerada a mais antiga do Pará, e Ouro Negro tocando na Praça do Relógio, em meio às construções coloniais da região. Foi uma amostra da potência de uma cultura de sistema de som que já vem de mais de seis décadas e se destaca pelos graves intensos —um som “pressão”, como dizem os paraenses.
No Mangueirão, tocaram também a Tudão Crocodilo e a Carabao, as aparelhagens mais famosas atualmente. Apesar de terem pontos em comum, cada uma dessas equipes mantém uma identidade própria. No caso do Crocodilo, o Megazord do animal abrindo e fechando a boca chama a atenção, mas a discotecagem arrebata com sequências matadoras de arrocha, xotes antigos, funks ou bregas.
No sábado (16), Gaby Amarantos –onipresente no festival, ela fez participações em quase todos os grandes shows– subiu no Crocodilo e cantou alguns de seus hits antigos. Gaby ganhou um Grammy Latino recentemente por “Tecno Show”, álbum com faixas antigas e que leva o nome da banda com a qual explodiu, há duas décadas, e resgatou canções dessa época de auge do tecnobrega, como “Não Vou te Deixar”.
No domingo (17), a Carabao encerrou o Psica com outra proposta, com a qual vem ganhando destaque cada vez maior em Belém. A equipe que leva o nome de um búfalo típico do Marajó soa como se fosse um rádio antigo e gigantesco entoando bregas paraenses clássicos pré-anos 1990. É romântico e desacelerado, mas nem por isso desanimado.
A experiência de ver uma aparelhagem de graça na rua não se compara à de vê-la dentro de um estádio. Ainda assim, especialmente para quem nunca teve contato com essa cultura, é uma porta de entrada a um universo estético singular.
A ideia de levar a estrutura das aparelhagens para dentro do Mangueirão também contribuiu para o impacto, já que a música se apresenta em seu ambiente natural. Para os paulistas, é como se um festival levasse os paredões de som e equipes de baile funk de periferia ao Morumbi ou ao Memorial da América Latina, em vez de apenas colocar os DJs nos palcos.
É uma dinâmica que faz toda diferença, e ajuda a entender como Belém é uma cidade apaixonada pelos graves e que, ao contrário da pisadinha no Nordeste e do funk no Sudeste, não se importa tanto com sonoridades médias e agudas. Mesmo nos palcos convencionais no Mangueirão, o som do Psica prezou pelos graves do tipo estoura peito, que geram uma sensação física, corpórea, complementar à experiência auditiva.
Foi especial ver Jorge Ben Jor tocando “Oba, Lá Vem Ela” em um arranjo de pegada jamaicana —de onde, aliás, vêm a cultura de sistemas de som com grave destacado— com o baixo estralado. Seu show, aliás, foi um dos mais celebrados pelos paraenses, como o de Alcione, figuras menos presentes nos palcos dessa parte do Brasil.
Ben Jor pareceu particularmente satisfeito em se apresentar em Belém. Tocou um arranjo de lambada em “Mas Que Nada”, que disse ter aprendido com um amigo do tecnobrega, carregou sua banda com vitalidade e encerrou com “Taj Mahal” fazendo sons de microfonia na guitarra, dizendo que estava “todinho arrepiado” e abraçando até o intérprete de libras.
Alcione contou com uma comoção parecida. Ela dividiu o palco com MC Tha e Gaby Amarantos, não desperdiçou um agudo sequer de seu repertório entre o samba e a música negra romântica e trocou juras de amor com a plateia. A câmera no Mangueirão exibiu fãs erguendo LPs da cantora como troféus.
A sensação geral foi a de que os artistas estavam em puro deleite por cantar em Belém. O rapper FBC contou com uma plateia empolgada, a quem se declarou no palco, no show de seu disco mais recente, acompanhado por uma numerosa banda de funk e soul.
Don L, também rapper, parecia mais solto do que o comum, pulando com o público em show no qual encontrou Nego Gallo, antigo companheiro do grupo Costa a Costa, seminal para o hip-hop nordestino. Foi assim ainda com Jaloo, artista paraense que toca um pop viajado e rebuscado a partir de elementos do tecnobrega, e fez provavelmente uma das melhores apresentações de sua carreira no Psica, jogando em casa com a plateia na mão.
Também ficou nítida a boa vontade dos artistas com o público de Belém nos encontros espontâneos promovidos no palco —um tanto na contramão das parcerias forçadas e protocolares que são ferramentas de festivais atualmente para fugir da estagnação. Gaby Amarantos cantou com todo mundo, Jaloo recebeu MC Tha, FBC contou com Don L e Nill no palco, e Odair José azeitou seu repertório com o Azymuth, entre outros.
Ajudou também a receptividade do público paraense, que grita “sal” ou “endoida” em qualquer deixa das músicas, e tornou tudo um tanto mais animado. O calor não foi suficiente para diminuir o ímpeto da plateia na maior parte do tempo.
O grande problema desta edição do Psica, contudo, ficou por conta dos atrasos no sábado, que chegaram a bater duas horas em alguns palcos. Muita gente foi embora antes de alguns shows realocados para a madrugada, e a apresentação do Crocodilo chegou a durar até 6h da manhã do domingo.
A distribuição dos palcos menores, que ficam na área externa do Mangueirão, também acabou atrapalhando suas atrações. Eles receberam shows interessantes, como dos rappers Zudizilla e Slipmami e do DJ de funk Mu540, mas ficaram de certa forma isolados da dinâmica principal, em curso dentro do estádio.
Em termos de banheiros, bares e circulação, a experiência do Psica foi substancialmente mais tranquila que na esmagadora maioria dos festivais do Sudeste. É verdade que cabia mais gente dentro do Mangueirão, mas essa lotação acabou ajudando no conforto —não houve aperto no calor, e nem grandes filas ou problemas de locomoção.
Melhores shows
Viviane Batidão
Rainha do tecnomelody e das versões em português de hits contemporâneos internacionais, ela fez um show com dinâmica de aparelhagem. As músicas se seguiram num fluxo frenético, da sofrência brega eletrônica às canções mais aceleradas, um espetáculo de pop paraense com canhão de fogos de artifício, dançarinos coreografados e trocas de figurino.
Jorge Ben Jor
Se havia dúvidas de que ele estava se divertindo em Belém, elas caíram quando o carioca gritou que estava “todinho arrepiado” com o show e a atuação da plateia. Saiu do palco fazendo festa e abraçando o intérprete de libras, e a impressão é de que ficaria lá por mais três horas se fosse possível.
FBC
O rapper vive se declarando ao Pará no Twitter, e encontrou um ambiente caloroso no Psica. Seu show atual, com pegada funk e soul, é alavancado por uma banda que leva jams e cria dinâmicas sonoras que expandem a sonoridade do álbum.
Alcione
Canta como um jogador de futebol experiente que reconhece as limitações físicas e sabe se dosar para render mais. Joga trechos para a plateia cantar, mas quando a bota a boca no microfone não desperdiça um agudo sequer.
Carabao
O brega clássico paraense é pouco conhecido fora do norte do país, mas possui pérolas românticas que batem direto no peito do público. É nostálgico e traça conexões com um legado de romantismo que vai de Roberto Carlos a Nadson, o Ferinha, tudo embebido nos graves que fazem o corpo tremer do pescoço para baixo.
Crocodilo
A experiência visualmente mais impactante entre as aparelhagens, com luzes e fogos de artifício coordenados com o movimento do crocodilo robótico onde os DJs ficam em cima. Toca de tudo, mas sempre num andamento acelerado que distorce vozes, deixando-as sintéticas, e casa com os chamados à participação do público.
O jornalista viajou a convite do festival
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Fonte: Uol